Alquimia às avessas

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“Estou escrevendo novamente... É sinal de que ainda estou vivo.... Mas, não sei, não sei se prefiro estar vivo ou morto pois não sei o que é pior...”
Pensamentos de um Soldado nas Trincheiras - 28 de Outubro de 1917

A frase acima escrita por um soldado na 1ª. Guerra Mundial poderia ter sido escrita por mim há algum tempo atrás e por tantos outros ex-membros da Prelazia. Felizmente encontrei vida após a minha saída do Opus Dei! Apesar de ter saído há 17 anos ainda carrego no meu inconsciente inúmeros problemas emocionais relacionados ao período que permaneci lá, os quais tentarei elucidar a seguir.

Permaneci como numerário dos 14 (e meio) aos 21 anos. Foram 7 anos! O terceiro setênio da minha vida! O setênio anterior estive quase todo nos clubinhos. Atualmente tenho 38 anos de idade e ainda hoje acordo no meio da noite sobressaltado lembrando de algumas conversas que tinha com algum diretor que foram vários e de tipos diferentes[2] (entre eles: G; PGB-tipo 1; RRG-tipo 6;Pe. V.A.L.- tipo 2) dizendo que queria sair da Obra. Em alguns períodos da minha vida estes sonhos se repetem mais intensamente.

Quando percebi que o produto que havia “comprado” não correspondia ao que havia visto na vitrine precisei, infelizmente, de muito tempo, conversas com os diretores e caminhadas solitárias na avenida Doutor Arnaldo para encontrar uma saída.

Nestes anos fiquei muitas vezes doente. Hoje entendo como uma forma velada do meu corpo dizer que algo não estava bem. Era a única forma de revoltar-me contra as agressões psíquicas que estava sofrendo.

Sofria muito de enxaquecas que me obrigavam a parar tudo o que estava fazendo pois eram dores lancinantes, insuportáveis. Ainda hoje me vejo ao lado de uma privada no CCP tentando vomitar (desculpe-me leitor por detalhes tão grotescos) e depois tinha que ficar em um quarto escuro para acalmar os pensamentos que pareciam enlouquecidos em contradições (culpa x pecado x escrúpulos?). Seria desnecessário dizer que hoje estou livre delas! Além disso muitas sinusites, bronquites e resfriados freqüentes, inúmeros abscessos, enfim patologias características de baixa imunidade conseqüentes ao ritmo de vida alucinante, pressão psicológica e conflitos, sintomas semelhantes encontrados em soldados nas trincheiras. Caso as somatizações tivessem parado aí estaria muito contente, mas o que se seguiu foi algo aterrorizante. Fui hospitalizado e operado 3 vezes (entre 15 e 19 anos). Sofri os piores tormentos que um adolescente de 15 anos que fica internado num hospital-escola pode ter, por se tratar de uma doença acometida numa região do corpo com fortes envolvimentos psicológicos. Nesta ocasião conheci o significado da palavra solidão e abuso (permita-me poupar os detalhes).

Se não fossem estas paradas compulsórias que tive neste período talvez não tivesse tempo suficiente para refletir no que a minha vida havia se transformado. O plano inclinado que deveria ajudar-me a crescer espiritualmente era um fardo muito além do que podia suportar. Tinha toda a convicção que obedecendo aquelas normas que o Opus Dei insistia em colocar na minha cabeça poderia transformar-me em um ser melhor, mas não o contrário.

As principais contradições que consigo destacar são:

A capacidade de mentir
quando consultava sobre alguma atividade fora dos interesses do centro o diretor orientava-me a inventar desculpa para tudo, como por exemplo: consultar sobre um aniversário ou casamento de um parente e ser obrigado a dizer que não poderia comparecer porque estava fazendo algum encargo?! Ou perguntar sobre determinado membro que repentinamente sumira e ouvir um: reza por ele! Confesso que só fiquei sabendo a verdade do paradeiro de algumas pessoas lendo alguns depoimentos no site opuslivre. Ou ter que inventar qualquer história para justificar algum comportamento “estranho” pois se falasse a verdade ninguém entenderia, por exemplo quando estava na 8ª. série e havia escolhido que faria o curso de Eletrônica (corresponderia a área de Exatas hoje) no colegial, mas que por ser à tarde o diretor G. do CCP disse-me que não convinha, pois deveria estudar de manhã, assim ficaria mais tempo no CCP e então acabei fazendo o curso na área de Humanas simplesmente por ser de manhã pois queria obedecer. Hoje, nem me lembro que desculpa tive que inventar para justificar tal absurdo aos meus pais pois, contava com 14 anos somente.
Dissociação do sentir com o pensar
quase que uma extensão do item acima, causando profundas marcas no sistema nervoso e levando a um distúrbio de lateralidade que futuramente gostaria de discorrer em outro depoimento. Recordo-me que a uma certa altura do CE era a minha vez de ler o livro de meditação da manhã e a minha respiração imediatamente ficara ofegante e começara a gaguejar e suar frio, não conseguia avançar a leitura e fiquei olhando fixamente para uma palavra. Sentia vontade de não estar ali mas, era obrigado a cumprir aquele papel. Seria um prato cheio para o Dr. Uruguaio.
Instrumentalização da amizade
bastava dizer o nome de um colega em uma conversa semanal para ele ficar na lista do diretor e este insistentemente inventar meios para que ele aparecesse no centro. Uma vez, disse o nome de um colega da faculdade e o diretor obrigou-me a sair numa tarde de sábado para convidá-lo a um retiro coagindo-me, dizendo que caso não fizesse estaria desobedecendo (o que era considerado uma falta gravíssima). Neste caso não fui, aliás nem sabia se a pessoa era cristã.
Afastamento gradativo do mundo
apesar do Opus Dei dizer que nós nos santificamos no meio do mundo eu me via cada vez mais isolado dele: não podia passar o Natal em família, ir a aniversários, assistir televisão, ir a um teatro, cinema, não podia usar cheque para as compras de materiais necessários para a faculdade, não podia cumprimentar colegas com beijos no rosto... etc. Acabei não aprofundando nenhuma amizade nesta época pois, só podia pensar no coletivo (leia-se OD) e não nas minhas necessidades. Poderia saber tudo do outro somente para depois aproximá-lo da Obra e por sua vez, ele não sabia realmente da minha vida. Também não podia ter amizade nem com outros membros, não podia confessar-me com sacerdotes que não fossem da Obra, não podia falar da vocação com ninguém, enfim, estava completamente isolado, amuralhado e passando pela crise que passei, quem poderia me ouvir? Quem? Claro! Os diretores! Somente isto é suficiente para justificar o crescente número de suicídios no OD, para maiores detalhes leia: Alberto MoncadaSuicidios en el Opus Dei” (www.opuslibros.org/escritos/suicidios_Moncada.htm)
Vocação para vender livros
nunca pensei que a entrega total a Deus, com todas as letras, seria na verdade para vender livros da editora Quadrante (ou conseguir dinheiro para construir um centro ou escola na periferia da cidade.)

Não faltavam argumentos nas reuniões para dar a uma pessoa quando alguém titubeava em ser generoso contribuindo com a Obra, por outro lado quando um membro precisa de ajuda, ou uma pessoa qualquer, gostaria de saber se a Obra é reciprocamente generosa com seu dinheiro? O que faz com ele afinal?

Enfim tantas outras coisas que já foram citadas por outros ex-membros que seria cansativo repetir.

No fundo sentia que toda aquela formação que ia recebendo era como que uma grande faixa de mumificação, no final de um ano estava com os pés enfaixados, no outro as pernas, no outro o quadril (aqui muito muito bem apertado por sinal), depois o tronco, os braços, as mãos, a cabeça (ah! na cabeça ainda deixaram um espaço na altura do nariz!) e finalmente, sim, finalmente no CE queriam colocar em cima do corpo enfaixado uma camada grossa de gesso. Então o trabalho estaria completo, estaria descaracterizado, robotizado, pronto para ser mandado para qualquer lugar, como uma estátua, igualzinho aos outros. Um número, ou melhor um numerário. Quanto mais eu deixasse ser engessado (docilidade) mais seria útil para a Obra!

Depois de engessado dos pés até a cabeça, incapaz de usar a criatividade, incapaz de sentir amor de verdade, despersonificado e simplesmente reduzido a cumprir metas, e obedecer em situações questionáveis descobre-se a grande alquimia do OD: transformar uma pessoa que almejava ser o sal da terra em um banana.

RMR, um grande abraço àqueles que tem a liberdade de ler estas linhas!