Saúde à minha volta

Quando apitei tive que enfrentar a oposição radical da minha família. Como estava convicta do que escolhera, “fiz por onde” para não ceder e continuar na obra, mesmo ficando sem freqüentar o centro entre a oblação e a admissão.

Depois de três anos minha mãe começou a freqüentar as reuniões de uma seita budista onde ouvira dizer que tudo que acontece vem para bem, e então ela me liberou. Um dia voltei perto das 21.00hs para casa e eles resolveram me expulsar de casa. Fiquei feliz pelo fato, mas por prudência, me disseram que esperasse a hora certa. Fiz naquele verão meu segundo curso anual.

Quando nosso padre veio ao Brasil minha mãe foi ao Anhembi e logo em seguida eu me mudei para o centro. Nesta altura já haviam se casado meu irmão mais velho e a minha irmã acima de mim, somos cinco irmãos e eu sou a quarta da família. O golpe familiar foi um desastre, talvez pior que um velório contínuo, uma vez que a minha saída deixara meus pais fortemente abalados, num pranto sem fim. Poucos meses depois meu segundo irmão também se casara, de forma que minha irmã caçula ficou sozinha numa situação de pranto constante que, sendo ela muito ligada afetivamente aos meus pais, sofria numa medida que não se imaginava. Minha irmã entrou num estado de choque que acarretou numa doença mental que a limitou por toda sua vida. Além do meu afastamento, meus pais sofreram com ela durante todo tempo.

A segunda pessoa de quem em me lembro, isto é, que me lembrara uma amiga de faculdade que ainda é cooperadora, é de uma ex adscrita que fora sua amiga e quem lhe atendera muito tempo depois que saí de São Paulo. Na obra ninguém comentara a saída de A. por doença mental, ainda no final da década de 70.

Na obra como em geral por aí, a doença mental não é comentada (diga-se de passagem, que os tratamentos evoluíram muitos a partir de 1986, caíram muitos conceitos e principalmente a reclusão dos pacientes em sanatórios).

Quando assumi um centro em 1990 me disseram somente que eu teria pessoas difíceis. Éramos oito numerárias além das trinta numerárias auxiliares que dependiam dele. Uma das que ali estava começava a manifestar sintomas doentios, e hoje se trata regularmente com psiquiatra. Entre trancos e barrancos naqueles anos quem se arrebentou fui eu! Nunca mais quero ser diretora de nada, nem de conselho local, nem administradora. Quero ser como qualquer pessoa da obra. Estourada como me puseram para alegrar a vida num centro de pessoas mais velhas. Lá éramos sete numerárias, três do conselho local, três doentes e eu. M. disfarçava com muita virtude sua vida doentia (veio a falecer em menos de dois anos), X e X já se enquadravam nas doenças mentais e eu não sabia. Logo depois de estar empregada (meu primeiro emprego registrado em carteira após a carreira de 16 anos de administrações ordinárias e de casas pequenas) não deu mais.

Como se não fosse suficiente este passado, custei a aceitar que houvesse na obra mais casos de doenças mentais que as estatísticas populacionais.

Um dia visitando uma moça que fora de sr, hoje médica doutorada em psiquiatria, ao saber que estava mantendo algum contato com a obra, disse-me que estava muito triste em atender um ex-numerário que fora devolvido a casa da família. Naquela altura, meados de 2002, disse-me que a obra deveria prever estes casos, tratar ou pelo menos manter estas pessoas como supernumerários, nunca devolve-los à família, pois o trauma ainda era maior, como neste caso que o rapaz fora pego de surpresa pela decisão dos diretores do centro.

Quando tive conhecimento através deste site do grande números de doentes mentais na obra, não quis acreditar por que havia a minha volta muitos doentes. Entretanto no mês de junho, li neste site o relato de GL que fora devolvida para a casa dos pais, é que eu resolvi prestar meu primeiro depoimento.

Uma pessoa muito estimada que apitara na década de 80 como numerária auxiliar, cujo sonho como o de tantas adolescentes bonitas, era ser modelo. Na casa onde trabalhava ainda brincavam com ela dizendo que desfilaria com as travessas na sala de jantar. Confesso que fiquei inundada de tristeza que ela era paciente do tal médico uruguaio.

Entre as primeiras numerárias do Brasil e por mim das mais queridas, X. sempre fora uma pessoa doce, meiga, delicada e sorridente. Seu diagnóstico foi o do distúrbio bipolar, doença que afetara minha irmã.

Na tipologia dos numerários descrita neste site, encaixei-me como “pau para toda obra”, fiz tudo o que era para fazer, acabei por me estourar. Estando perto da obra nos últimos anos, encontrei pessoas muito gastas, cansadas. Uma com mais de 65 anos trabalhando como administradora. Y. com quem conversava me dissera que devido ao excesso de trabalho não conseguira ver-me no espaço entre julho de 2004 e março de 2005 (prefiro acreditar que este foi o motivo do espaço de tempo sem nos vermos). Outra que tudo leva é D. a quem atribuíram as noventa e sete supernumerárias por ocasião da organização da delegação de São Paulo. Desta ainda posso contar o que me disse quando a encontrei na rua: estou espairecendo e dando uma volta, estou com pressão alta, elas são muitas e embora se tenha alguma ajuda para atender as supernumerárias, são muitos os problemas... Às vezes ficava com a impressão de que quem estava decidindo o destino das diretoras, não se colocava no lugar da outra ou ao menos pensava na sua situação atual (uma vez que o rotulo – esta dá conta - já estava pré-escrito). Outro caso a descrever é pensar que mandaram uma numerária das que vieram começar no Brasil, portanto com mais de sessenta anos, para começar em Belo Horizonte, o resto não dá para contar.

Quando penso na mortificação como norma de sempre e meio eficaz de chegar às virtudes, penso nas conseqüências do seu exercício: dar-se a todo o momento para fazer a obra e ser santa. Na verdade se a pessoa é coerente e vive este espírito, cumpre os deveres com esmero e não se omitem nos pequenos sacrifícios.

O preço do que vivi e percebi à minha volta é: umas estouraram, outras ficaram mentalmente desgastados e adoeceram. Outras que lá estão, sorrindo chegam exaustas no final do dia. Uma mulher por suas características está nos detalhes e gosta de ordenar coisas pequenas, não deixando de se ocupar dos detalhes da casa onde mora. Além dos encargos apostólicos, venda de circulo de leitura ou campanhas econômicas se tem encargos junto da administração, se participa das limpezas da casa, uma vez que embora muitos centros tenham numerárias auxiliares elas são poucas e as casas muito grandes. Como se vê os encargos nos centros da sv é somente lavar o carro, cuidar do jardim, coisas burocráticas... Na sf o trabalho que ocupa o tempo é físico.

Típica é a chegada das numerárias ao curso anual. Tudo o que se faz ao longo do ano se deixa organizado, previsto antes de sair, o que supõe preparação mais esforço ainda. Nos primeiros dias das férias de verão nem se tem força física até para um esporte como a piscina, que mesmo sendo relaxante é recusado nos primeiros dias do curso anual. Nem para isso têm forças quando elas chegam no curso anual. Diga-se ainda de passagem, que as numerárias fazem a limpeza da casa durante o curso anual, muitas vezes têm outros encargos como passar roupas para ajudar a administração. É verdade, na seção feminina no descanso também se carregam pedras, se levanta também cedo para fazer limpeza que é antes da meditação.

Como li várias vezes neste site que se quer bem às pessoas... Como as quero bem numerárias!!! Tenho coração sim e por esse sentimento é que escrevo sobre a saúde e descanso de todas.


VR