Opus Dei: o que não nos ensinaram

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Pretendemos, neste texto, levantar uma questão que tem sido abordada por vários ex-membros do opus dei no mundo, e merece nossa especial atenção.

A obra é uma Prelazia Pessoal, figura jurídica definida no Código Canônico. De posse desta legitimidade, a obra realiza seu trabalho dentro da Igreja, exigindo de seus membros que obedeçam às finalidades previstas para o opus dei. E, de fato, os membros leigos (que são maioria na instituição) assumem para si a tarefa de entregarem suas vidas para a realização dos fins que a obra estabelece. No caso dos numerários, espera-se mesmo a entrega total. Abnegação total. Celibato apostólico, obediência em tudo. Os numerários vão morar nos centros. Todo o seu dinheiro é entregue à obra etc. etc.

A pergunta é se essa exigência é legítima. Será legítimo, de acordo com o próprio Código Canônico, exigir dos numerários essa vinculação absoluta? Lembremo-nos que se trata de uma vinculação radical, sobre a qual pesa, inclusive, o receio de que, abandonando a obra, o membro ponha em risco a sua felicidade eterna, como claramente se repete na obra em inúmeras palestras, sem falar das palavras de S. Josemaría Escrivá, que tratava como traidores os que deixavam a instituição.

Leiamos o que diz o Código Canônico sobre as Prelazias Pessoais (versão espanhola disponível na web - [2]):

TÍTULO IV - DE LAS PRELATURAS PERSONALES (Cann. 294 – 297)

294 Con el fin de promover una conveniente distribución de los presbíteros o de llevar a cabo peculiares obras pastorales o misionales en favor de varias regiones o diversos grupos sociales, la Sede Apostólica, oídas las Conferencias Episcopales interesadas, puede erigir prelaturas personales que consten de presbíteros y diáconos del clero secular.

295 § 1. La prelatura personal se rige por los estatutos dados por la Sede Apostólica y su gobierno se confía a un Prelado como Ordinario propio, a quien corresponde la potestad de erigir un seminario nacional o internacional así como incardinar a los alumnos y promoverlos a las órdenes a título de servicio a la prelatura.

§ 2. El Prelado debe cuidar de la formación espiritual de los ordenados con el mencionado título así como de su conveniente sustento.

296 Mediante acuerdos establecidos con la prelatura, los laicos pueden dedicarse a las obras apostólicas de la prelatura personal; pero han de determinarse adecuadamente en los estatutos el modo de esta cooperación orgánica y los principales deberes y derechos anejos a ella.

297 Los estatutos determinarán las relaciones de la prelatura personal con los Ordinarios locales de aquellas Iglesias particulares en las cuales la prelatura ejerce o desea ejercer sus obras pastorales o misionales, previo el consentimiento del Obispo diocesano.

O can. 294 não menciona os leigos. As prelazias, nesta definição, têm apenas presbíteros e diáconos do clero secular. Ora, então um membro leigo do opus dei não pertence, juridicamente, à prelazia? Existe, aliás (poderíamos ainda perguntar), algum documento por escrito, assinado por ambas as partes, que explicite os compromissos da instituição e os deveres e direitos do membro leigo? Existe, para além dos limites da obra, um reconhecimento público de que um membro leigo assumiu tais e tais compromissos com a prelazia? Algum membro da obra pode demonstrar para o bispo da sua diocese que pertence ao opus dei? Se alguém chega e me diz que é membro da obra, como posso saber se é verdade? Há algum documento de posse da diocese onde um membro mora no qual se diga que ele pertence à prelazia?

Estas perguntas sobre a relação entre o membro da obra e a diocese são válidas, na medida em que o próprio opus dei explica (mas não esclarece...) que a pessoa está vinculada, antes de mais nada, à Igreja:

As prelaturas pessoais são circunscrições eclesiásticas, previstas pelo Concílio Vaticano II e pelo Código de Direito Canónico, constituídas para levar a cabo, com grande flexibilidade, determinadas tarefas pastorais. Os fiéis das prelaturas pessoais continuam a pertencer às igrejas locais ou dioceses onde têm o seu domicílio. ([1]) – o grifo no verbo “pertencer” é nosso.

Onde está a grande flexibilidade? Bem, esta seria outra pergunta. O que nos cabe, porém, é aprofundar a questão urgente: onde está o leigo na instituição...?

Pode-se alegar que um membro leigo da obra fez seus compromissos “por sua condição de cristão”, mas, até isso, juridicamente falando (e é juridicamente que a obra muitas vezes se impõe dentro da Igreja, contestando críticas etc.), até esses compromissos não implicam que a Prelazia tenha tantos poderes sobre a vida, o futuro e a consciência dos seus membros. A verdade é que todos os leigos do opus dei (denominem-se numerários, supernumerários ou adscritos) são, pura e simplesmente, cooperadores da Prelazia. Nela entraram voluntariamente, e dela podem sair voluntariamente como e quando bem entenderem, sem darem satisfação a ninguém. E nesse sentido, sim, as portas estariam abertas de par em par para quem quisesse sair. Pois realmente a obra não tem o direito de fechá-las, embora diga, de outras mil formas (sutis ou truculentas), que sair da obra é uma traição para com Deus.

A instituição não pode ensinar a verdade para todos os seus membros leigos sobre esta sua condição de meros cooperadores, pois haveria uma evasão imediata de milhares de numerários, supernumerários e adscritos! A ereção da obra em prelazia pessoal parecia ter facilitado as coisas... mas, lendo melhor o Código Canônico, a situação está muito mais complicada. No caso do Instituto Secular, os leigos eram sócios... agora são apenas colaboradores.

Evidentemente, dentro da obra, o status de prelazia é por todos apresentado com orgulho, como uma vitória. E, lá dentro, dá-se a entender que está tudo bem... Mas sejamos objetivos: encontrou-se uma solução jurídica para os sacerdotes e para o prelado... e não para os leigos. Pensando com rigor, e usando a linguagem adequada, os leigos são cooperadores, sua adesão implica cooperar, mas não pertencem à instituição. Neste sentido, o leigo pertence muito mais a um sindicato do que à Prelazia... E caberia ainda uma outra pergunta: por que nenhuma outra instituição dentro da Igreja quis se tornar prelazia pessoal...?

Ou seja, começa-se a descobrir (e dentro da obra também há quem esteja descobrindo isso, e levando um susto!) que, mediante análise criteriosa do texto do Direito Canônico, os leigos não pertencem à prelazia! Talvez João Paulo II tenha deixado essa brecha no texto jurídico para que, no momento oportuno, pudéssemos, os leigos, com nossa certidão de batismo debaixo do braço, libertarmo-nos definitivamente do opus dei.

Ainda com outras palavras: a configuração jurídica das prelazias pessoais é clerical. Quando o can. 295 parece aludir aos leigos, já os vê no contexto da ordenação sacerdotal: “...erigir un seminario nacional o internacional así como incardinar a los alumnos y promoverlos a las órdenes a título de servicio a la prelatura.” Além disso, “el prelado debe cuidar de la formación espiritual de los ordenados con el mencionado título así como su conveniente sustento” — sem mencionar que deva cuidar da formação espiritual dos leigos (sobretudo os supernumerários) que nunca serão sacerdotes...

Por fim, porém, os leigos são mencionados. O can. 296 diz o seguinte: mediante acordos com a prelazia, os leigos podem dedicar-se às obras apostólicas da prelazia pessoal, determinando-se adequadamente nos estatutos o modo como se realizará essa cooperação orgânica e os principais direitos e deveres implicados.

Aqui está o “x” da questão. Os membros leigos podem cooperar com a prelazia, podem até fazê-lo de um modo muito intenso, podem aceitar ser conduzidos pelos diretores da obra, podem aceitar todas as ordens, submeter-se em tudo, mas não deixam de ser cooperadores. Assim está no Código Canônico. Por mais que os Estatutos digam outra coisa, o Código Canônico é uma norma hierarquicamente superior. E por mais que se tente interpretar (ou adaptar...) o texto do Código, a distinção está clara: os sacerdotes pertencem à obra, estão nela incardinados, ao passo que os membros leigos estão no nível da cooperação, não são membros de iure da prelazia (o que, no fundo, é lógico, na medida em que os Bispos Diocesanos não admitiriam a co-existência com uma estrutura capaz de “tirar-lhes” fiéis, pelas razões mais prosaicas que fossem).

Bem, se os leigos não são membros de iure, os próprios Estatutos da obra não se aplicam aos leigos que com a obra colaboram, para seguir o que está no can. 94.2: “los estatutos de una corporación obligan sólo a las personas que son miembros legítimos de ellas...”

Entende-se agora porque a “incorporação” dos membros leigos na obra não seja atestada por nenhum documento oficial. Por mais unido espiritualmente que esteja ao empreendimento de S. Josemaría Escrivá, um leigo é um simples cooperador. O clero da Prelazia, por outro lado, pertence à obra de iure, nela está incardinado, depende disciplinarmente do Prelado e de sua autoridade, o Prelado decide sobre seu destino etc.; já com os leigos a história é bem outra. A relação dos leigos com a Igreja continua sendo prioritariamente com a sua diocese. É a ela que eles pertencem. É lá que vão obter os Sacramentos que geram documentos — a certidão de batismo e a de casamento, pois a prelazia pessoal não pode dar este tipo de cobertura legal perante a Igreja.

A conclusão é clara. Juridicamente falando, a Prelazia não tem fiéis incorporados, possui apenas cooperadores, estejam eles mais ou menos engajados. Quando a Obra era Instituto Secular, os leigos estavam incorporados pelos votos particulares, coisa que, por outro lado, a obra dizia abominar. A nova roupagem jurídica não se refere a votos.

Tal constatação reforça a teoria do contrato nulo, já discutida neste site. Ninguém pode adquirir obrigações contratuais de incorporação se não é, pela sua própria natureza de contratante (no caso, um leigo), capaz de efetivamente incorporar-se! Somente os clérigos são membros de pleno direito da prelazia pessoal, e é interessante como esse fato surgiu intuitivamente, sem conotações jurídicas, no testemunho de um rapaz que freqüenta o centro da obra em Porto Alegre: “eu particularmente não entendo como as pessoas entram na Obra para continuar sendo leigo, se eu tivesse vocação e conseguisse entrar lá certamente faria de tudo para me tornar padre. Acho que se fosse para continuar leigo acredito que o mais coerente seria continuar frequentando a Obra, mas só frequentar sem morar lá.”

Queremos concluir este breve estudo, convidando membros da obra que estudaram Direito Canônico (talvez um Pe. Osvaldo Gandin... ou um Pe. Marcos Adelino... ou até um Pe. Vicente...) para que esclareçam aos nossos leitores a questão aqui levantada. Esta seria uma forma efetiva de trabalhar pela verdade, e ensinar aquilo que ainda não nos ensinaram sobre o opus dei.