Nos bastidores da QUADRANTE – OPUS DEI

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Interessante o artigo escrito pelo sr. João Tomás, intitulado “dormindo na rua”. Como conheci bem o ambiente onde ocorreram os fatos lá narrados, gostaria de comentá-los brevemente para tornar todo o assunto mais compreensível.

O ambiente ao qual me refiro é a Opus Dei, cujos diretores locais (isto é, os diretores da Opus no Brasil) conceberam a Editora Quadrante como um canal de divulgação dos escritos do fundador da Opus e de outros escritos que refletissem as idéias do fundador. Iniciativas semelhantes ocorreram em praticamente todos os países onde a Opus atua; essas editoras tiveram um papel importante dentro da estratégia traçada para a canonização do fundador da Opus.

No Brasil, os membros da Opus aprendiam que a editora Quadrante era uma iniciativa apostólica individual do sr. EG e de outros colaboradores. O sr. EG era diretor da editora e durante muitos anos foi o “braço direito do diretor chefe” da Opus no Brasil. Ao mesmo tempo, os diretores locais da Opus diziam que a venda de livros da Editora Quadrante era uma atividade apostólica igual às outras, à qual todos deveriam se dedicar com espírito de sacrifício e renúncia pessoal visando o bem das almas. Penso que é dentro desse cenário de entrega pessoal e preocupação pela salvação das almas que devem ser interpretados muitos dos atos praticados pelos membros da Opus, seja qual for a posição ou cargo ocupado por eles dentro da instituição.

Alguns desses atos chegam a causar perplexidade, podendo ser interpretados por uns como manifestação heróica de virtudes, e por outros como pura insensatez. Julgo que os acontecimentos narrados pelo sr. João Tomás pertencem a essa ultima categoria.

Tais fatos ocorreram no fim do ano de 1988, e estava em plena efervescência a campanha para venda de assinaturas da coleção “Círculo de Leitura”, que na época já se tornara o “carro chefe” da Editora Quadrante. Os diretores centrais da Opus no Brasil determinavam o número de assinaturas que deveriam ser vendidas e fixavam as cotas de assinaturas que cada centro deveria alcançar. Os diretores de cada centro, por sua vez, atribuíam cotas individuais aos membros da Opus a eles subordinados. O andamento da campanha era monitorado através de reuniões periódicas realizadas na sede central da Opus em São Paulo (situada na Av. Prof. Afonso Bovero), às quais compareciam alguns dos diretores centrais e representantes dos diversos centros; em geral, eram os próprios diretores ou outros membros do conselho local dos centros que iam às reuniões. O clima dessas reuniões era relativamente ameno, excetuando as intervenções do sr. EG, que se dirigia aos demais com a autoridade de “defensor da obra no Brasil” (isto é, “braço direito do diretor chefe”). O sr. EG dedicava-se a dar bronquinhas nos diretores dos centros e cobrava maior empenho por parte de todos para que as vendas de assinaturas alcançassem as metas estabelecidas. Na opinião do sr. EG e dos outros diretores centrais da Opus no Brasil, vender assinaturas da coleção da Editora Quadrante fazia parte dos deveres vocacionais dos membros da Opus. Desta forma, as pessoas que se empenhassem na divulgação dos livros editados pela Quadrante estariam vivendo bem a sua vocação; por outro lado, a falta de sacrifício pessoal na venda daqueles livros denotaria falta de amor à Opus e à própria vocação.

O acompanhamento da campanha do círculo de leitura nos centros era feito de modo análogo: organizavam-se reuniões semanais nas quais as pessoas relatavam em público quantas assinaturas tinham vendido desde a última reunião e quantas pretendiam vender até a reunião seguinte. Aqueles que já tinham vendido a sua cota de assinaturas costumavam ser dispensados dessas reuniões. As pessoas que estavam longe de cumprir as metas de vendas recebiam correções fraternas dos demais moradores do centro.

Como a iniciativa da campanha partia dos diretores centrais, a venda de assinaturas era encarada pela maioria como um dever de obediência à vontade de Deus. A falta de empenho pessoal na campanha constituía motivo para dúvidas de consciência e muitos consideravam esse assunto como matéria de confissão. Cada numerário era cobrado pessoalmente pelo respectivo diretor ou por uma pessoa designada pelo diretor para essa tarefa. Em palestras e outros “meios de formação coletivos”, dirigidos por leigos ou por sacerdotes, procurava-se incentivar as pessoas a fazerem sacrifícios pela campanha, tendo em vista os frutos apostólicos decorrentes. Pela maneira como era apresentada e conduzida, a “campanha do círculo de leitura” era uma iniciativa perfeitamente inserida nos fins da Opus enquanto instituição.

Dentro do cenário apresentado, fica fácil entender porque os diretores dos centros faziam de tudo para que os seus subordinados se esforçassem ao máximo para vender as tais assinaturas. Era dever dos diretores zelar pela vocação dos membros da obra dos respectivos centros. As pessoas que vendiam poucas assinaturas estariam vivendo mal a vocação, o que comprometeria a sua felicidade e salvação eternas; portanto, quando algum diretor “espremia” alguém para que fosse atrás das assinaturas, estava de fato fazendo um enorme favor para aquela pessoa.

O mesmo valia para os supernumerários. Em “meios de formação coletivos” e reuniões organizadas por diretores centrais da Opus para numerários que deveriam dirigir espiritualmente os supernumerários, dizia-se claramente que “os supernumerários demonstram o seu amor a Deus e à Opus empenhando-se nas campanhas do círculo de leitura e da OSUC”. Os leigos que dirigiam espiritualmente os supernumerários eram instruídos para cobrarem pessoalmente e insistentemente um empenho cada vez maior na vendas de assinaturas. Evidentemente, não se podia exercer uma pressão tão forte a ponto de impedir um supernumerário de dormir na própria casa.

Esse clima durou até aproximadamente o fim da década de 1990. Após uma “visita da comissão de serviços” (nome dado a uma espécie de visita de inspeção feita por pessoas enviadas de Roma, onde está o poder central da Opus), a cobrança afrouxou um pouco, e passou-se a tolerar com mais paciência as pessoas que não “davam o sangue” pelas campanhas. Evidentemente, o número de assinaturas diminuiu muito, mas ainda é expressivo, levando-se em consideração o preço elevado dos livros e a falta de talento de uma boa parte dos autores dos mesmos. Com relação ao preço elevado das assinaturas, é um mistério que não se esclarece. É sabido que a editora quase nunca paga direitos autorais; além disso, a qualidade dos livros é bem ruinzinha. Por quê são tão caros?

Aspilcueta Navarro