Há 10 anos saí do opus dei

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Há 10 anos saí do opus dei. É a primeira vez que falo em público – ou melhor, que escrevo na Internet, o que é praticamente a mesma coisa – sobre essa mancha em minha vida. Fui numerário por 10 anos e quando saí e olhei para mim, vi que eu era um limão espremido, de quem haviam tirado quase toda a seiva. Pensei que levaria outros 10 anos para me recompor como pessoa humana. De fato, a estimativa estava certa. Somente agora, que tenho 40 anos de idade, posso falar dessa experiência traumática sem tremer.

Ainda fico constrangido, obviamente, pelo fato de que revelar que fiquei 10 anos lá dentro é um gesto que equivale a escrever na própria testa – “sou idiota”. Mas, como disse, agora isso não me impede mais.

É claro que para eu criar coragem de escrever aqui cooperaram, em muito, meu casamento e o nascimento de minha filha.

Também contribuiu o contato com pessoas que haviam passado pelo mesmo drama, muitos em situação bem pior que a minha.

Ter sido numerário do opus dei era motivo de vergonha íntima, pois pensava que só eu tinha passado por isso. Mas vejo que outras pessoas, nada idiotas, caíram no mesmo golpe. Além disso, tenho a meu favor o fato de ter conhecido o opus dei com 18 anos, e ter entrado lá com 20 anos. Sinceramente, eu não posso me envergonhar de ser imaturo nessa idade, a ponto de ter sido seduzido pelas armadilhas dessa maldita seita.

No opus dei, eles dizem que “a porta é pequena para entrar e grande para sair”. Mais ou menos. Que a porta seja pequena para entrar, eu não duvido. Há uma seleção que envolve até aspectos físicos. Quando eu conheci o centro, fui para assistir a um curso de astronomia, enquanto fazia cursinho pré-vestibular. Não deram muita importância para mim. Ocorre que ao final do ano eu ingressei na USP. Imediatamente o tratamento deles mudou comigo. Me ligavam, não me deixavam em paz. Eles gostam muito de quem faz curso de exatas, como era o meu caso. Depois vim a entender o interesse súbito. É que eles queriam que eu, entrando para o opus dei, pudesse levar outras pessoas “selecionadas” para lá. São uns oportunistas, interesseiros.

Mas a porta de saída não é grande. Na verdade, eles morrem de medo que uma pessoa saia e conte os segredos e os absurdos que fazem com as pessoas lá dentro. Entrei no opus dei em 1985. Seis meses depois eu já queria sair, e manifestei isso explicitamente. Você acha que foi fácil? Há dezenas de pessoas que praticamente não trabalham nem fazem nada apenas para cuidar que você não saia, depois de ter entrado. Fiquei nas mãos desse pessoal por 9 anos e meio. Toda a estratégia deles consiste em dizer: se você não está satisfeito e quer sair, é porque ainda não foi a fundo. Minha atitude então foi como daquele motorista que, perdido, acelera mais para tentar sair mais rápido de onde está, o que acaba por levá-lo para mais longe do caminho certo.

Nesses 10 anos que passei fora de lá, pude entender o que, na época, foi impossível: quais as estratégias que utilizaram para me fazer entrar, e me impedir de sair.

Não vou relatar tudo aqui, mas estou disposto a conversar com quem quiser sobre essa minha experiência traumática. Fico aflito em pensar que outros jovens possam cair no mesmo golpe, pois o prejuízo não é só financeiro (se bem que é financeiro também!). Perder os anos de vida que transcorrem entre os 20 e os 30 anos de idade não é nada aconselhável.

Gostaria apenas de, destacar, aproveitando essa ocasião, a importância do segredo na estratégia do opus dei para conseguir que uma pessoa entregue todos os seus bens para eles e passe a trabalhar para eles como escravo.

Estou convencido de que o segredo é tudo para eles. Vou contar dois fatos. Dois dias antes de pedir admissão no opus dei (na verdade, a gente pede admissão mas são eles que colocam esse “pedido” em nossa boca e a gente escreve uma carta pedindo para entrar em um contexto de total coação, já que estamos movidos pela pesada sedução empregada por eles ...), ou seja, nas vésperas desse passo importante, em que eu “veria claramente minha vocação” (efeito de pesada sugestão), é que fiquei sabendo, estarrecido, que não só aquele meu “amigo” que conversava comigo a fim de me fazer entrar não tinha namorada, mas que nenhum daqueles rapazes e homens feitos que moravam no centro tinham namoradas, esposas ... Mas essa informação (que acho importante, não?) foi passada para mim como se fosse um pormenor. O importante era minha “vocação”. Ora, vocação para que exatamente? Cerca de uma semana depois que pedi a tal admissão, entrei na parte do centro cujo acesso me era proibido. Estava embebido da euforia de quem, com 20 anos de idade, está tomando decisões eternas de forma totalmente inconseqüente. Ocorre que, cerca de uma semana depois, ao abrir uma porta para procurar um livro na sala de estar dessa parte proibida, encontrei uma caixa que abri por mera irreflexão. Lá dentro estavam objetos misteriosos para mim. Algo que parecia uma corrente dentada para prender cachorro bravo, e um chicotinho para lambar burros ariscos. Eram os famosos “cilício” e “disciplina”, objetos de auto-flagelação que eu viria a conhecer muito bem nos 10 anos seguintes.

Mas reparem na situação. Eu mostrei essa caixa, que pertencia a um outro adjunto mais velho que eu (adjunto é um numerário antes de morar no centro), ao diretor, fazendo alguma piada, que não lembro. O que me recordo claramente foi a expressão contrariada do diretor, que me tomou aquilo das mãos e deu uma bronca no adjunto descuidado que deixara eu ver aqueles objetos secretos. Então o diretor me levou para sua sala e, após algumas broncas, me disse que eu tinha uma série de coisas para aprender, cada uma no seu tempo, e que as mortificações corporais eram para eu aprender mais tarde (acho que dali a um mês). Mas, como eu tinha visto aquilo (nessa hora eu me lembro bem que estava em profundo estado de pânico), então ele ia me adiantar essa aula ...

Não vou, como prometi, me alongar falando de minha triste – e ao mesmo tempo interessante, não posso negar, história. Apenas queria dar esses dois exemplos para mostrar que a tática deles é o segredo revelado aos poucos. Ninguém provido de juízo aceitaria o seguinte convite: “Abandone sua família, passe a usar 2 horas por dia de cilício, use disciplinas 2 vezes por semana (no mínimo), passe a levantar às 5 da manhã e tomar um banho frio, durma uma vez por semana no chão duro, para de olhar para mulheres, esqueça a idéia de casar e ter filhos, obedeça cegamente a diretores neuróticos e maníacos, passe a pedir dinheiro para conhecidos e desconhecidos, venda livros inexistentes, faça amizades por interesse, deixe seus sonhos profissionais de lado ...”

Ao invés disso, eles dizem: “Venha ser feliz e sorrir o dia inteiro, doando-se a Deus e ao próximo para salvar a humanidade”. Só que nada disso é verdade quando se trata do opus dei. O sorriso é mortificação de numerários cansados, que depois de alguns anos sorriem mesmo quando alguém lhes pisa no calo (literalmente). Não há Deus no opus dei, que prega uma forma de adoração aterrorizada a Deus que tem as mesmas características de um demônio sádico. Não se dá a menor atenção ao próximo, ninguém lá dentro pensa em “salvar a humanidade”, e a felicidade realmente só existe, como na piada do sapato apertado, quando você vence todas as barreiras psicológicas e todo o assédio moral e finalmente decide-se a ir embora de lá, com uma mão atrás outra na frente (já que todo o seu patrimônio foi roubado, inclusive te obrigam a escrever um testamento deixando tudo para eles).

Outra coisa que nunca dizem é o que acontece com quem sai. Ora, se você mora 10 anos com um pessoal, divide o quarto com eles, por que, no dia seguinte ao de sua saída, você passa a ser ignorado completamente por eles? Não é apenas falta de caráter ou caridade deles não. É estratégia. Quem está lá dentro não pode ter contato com quem sai, para que possam cultivar o absurdo aforismo de que, quem sai, está condenado a ser infeliz.

É claro que a pessoa sai de lá bem infeliz (ainda que eu saí aliviado, pois foram anos e anos de esforço pessoal para vencer o assédio moral contínuo deles). Infeliz por quê? Porque você passou 10 anos sem ver a cor do seu salário, sem carro, sem objetos pessoais, até suas anotações de anos (no meu caso, caixas e caixas de fichas), você tem que deixar lá. Eu estava com 30 anos e sem nenhuma maturidade emocional, pois passei todo esse tempo tentando ignorar minha sexualidade (gostaria de escrever um livro sobre a visão do opus dei sobre a sexualidade), tentando ser um estranho no meio das pessoas que conviviam comigo. Enfim, a história da reconstrução da minha alma fica para outra ocasião.

Bem, gostei da oportunidade do desabafo, feito sem revisão, de uma vez só, e estou como disse aberto para contatos e esclarecimentos principalmente para quem esteja pensando em cair nesse golpe, ou seja, entrar na perigosa seita opus dei.

Antonio Carlos Brolezzi