Espremidas como um limão

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Aprende-se na obra que se devem viver costumes sociais segundo os que se viva em cada país. Aqui no Brasil as mulheres trocam, ao se cumprimentarem, beijinhos, dois ou três, com toda naturalidade. Entretanto, o cumprimento dentro da seção feminina é "pax" e só, não se abraça nem se beija.

Repensando no que uma das minhas irmãs sempre me dissera sobre minha forma de cumprimentar – seca, que eu não sabia abraçar – pude reconhecer como na obra não se vive com naturalidade entre as Numerárias os detalhes normais entre as mulheres brasileiras de trocarem beijinhos (também entre pessoas de sexos distintos), sem que haja nenhuma malícia ou familiaridade excessiva. O cumprimento na seção feminina (sf) das Numerárias entre si é só "pax". Entre as Numerárias e as supernumerárias e suas amigas, sim, se vive como todo mundo.

Quando li o livro “A terapia do abraço” percebi que se esclarecia a crítica que minha irmã me dirigira a vida inteira. Recolho um trecho que esclarece que o toque físico não é apenas algo agradável, ele é necessário. A pesquisa científica respalda a teoria de que a estimulação pelo toque é absolutamente necessária para o nosso bem-estar tanto físico como emocional... que ainda o toque terapêutico é usado para aliviar a dor, a depressão e a ansiedade, fazendo–nos sentir melhor conosco e com o ambiente à nossa volta...

A minha forma de cumprimentar e principalmente de abraçar as pessoas, de modo distante fisicamente, deixou-me com o passar do tempo uma pessoa mais fria e distante. Depois da obra tive que reaprender e valorizar esses detalhes normais de carinho com todos, e me esforçar para mudar meu comportamento.

Muitos detalhes como este de pudor ou modéstia na seção feminina são transmitidos ao conviver e vão transformando o que é natural, de forma que a pessoa às vezes nada perceba. Acontece que até o normal passa a não ser o normal.

Quando foi liberado o uso das calças compridas dentro da seção feminina, recebeu-se a indicação de que elas deveriam ser adquiridas aos poucos, que não seria o habitual, que deveríamos continuar a ser modestas etc. Depois de mais de 15 anos muitas Numerárias somente utilizam a calça comprida com blusas que cubram os quadris. Esse e tantos detalhes fazem com que o atuar delas seja semelhante ou mais ridículo.

Este modus vivendi tem a ver com uma idéia geral de que as mulheres dentro da obra devem ser discretas, silenciosas, e se submeterem ao máximo em nome da obra. Mas aqui há um paradoxo: a obra é apresentada como “o melhor lugar para se viver", mas lá dentro todos se deixam espremer "como um limão”.

Entender a frase acima e vivê-la faz parte da forma de agradar a Deus na Obra. Ao cumprir as obrigações profissionais como meio de chegar a Deus, seu cume é, para as que não acabam seu dia com 8 horas de serviço nas administrações, o estar espremidas como limão''refrão muitas vezes ouvido nos meios de-formação. Outros chavões também fazem parte do elenco de idéias nas quais as pessoas da obra se apóiam para sentirem-se fazendo o que deviam, sem pensarem que o que fazem é demasiado, tais como fazer-se tapete ou ainda ter em mente a figura do burro de nora dando voltas, sempre voltas iguais e monótonas.

A forma de encarar tudo como ocasião de servir, de se sacrificar... tomando o cálice até as fezes como está no livro "Via Sacra", condena naturalmente aquelas que tem por trabalho a administração a assumir tudo o que for pertinente às responsabilidades deste trabalho e a corresponder até o fim.

As irmãs pequenas, como muitas vezes são chamadas às numerárias auxiliares, nada têm de frágeis e sim, aquelas que têm força e vigor imenso para um trabalho onde se exige perfeição conjugada com rapidez. Ao lembrar-me do tempo em que estive ao lado delas, me vem-me alguns episódios onde se faz ou SE FAZ. Como também se ouve nos meios de formação: “o eu não deve aparecer nunca”. A administração deve-se viver numa constante abnegação.

Quem manda na administração é o relógio. O horário sempre é apertado e cada pessoa tem uma seqüência de pequenas tarefas que poderia se dizer que não acabam nunca.

As que vivem numa administração extraordinária, estão longe das diretoras das quais dependem para resolver quaisquer coisas. Elas têm que sair da administração para os meios de formação e conjugar as exigências do trabalho (indicações da administradora) com o que lhes vêm indicado pelas diretoras do centro. Os dias de sair para passeios, excursões, para consultas a médico, cursos anuais, retiros, etc. acarretam sempre um aumento do peso trabalho sobre as outras. Quando saem no domingo para um passeio normalmente levam seu lanche dentro da bolsa , saindo de ônibus e no meio da tarde já estão no seu centro para suas atividades apostólicas.

Lembro-me de uma que havia pedido admissão recentemente, morava num centro da sf, e a quem se teve que adiar a admissão porque não acabava seu trabalho a tempo para chegar aos meios de formação, uma vez que a administradora lhe exigia o cumprimento das tarefas e ela ainda não tinha ritmo para o trabalho.

E as festas nas administrações extraordinárias? São uma ' festa''... o nível de elaboração dos cardápios e variedades sempre supõe aumento de trabalho por muito organize previamente. Nestes dias as numerárias auxiliares também deveriam, poder comemorar como os demais membros da obra. Quando elas têm alguma comemoração especial, devem correr mais ainda para ir ao seu centro para a meditação ou benção e voltar às pressas para atender a residência.

Quanto às tarefas de compras, lembro-me de que quando a CEASA funcionava a noite, as grandes administrações e casas de retiro iam fazer compras depois das 22.00h. Na aventura semanal estava uma Numerária e uma Numerária auxiliar que voltavam para casa após a 1.00 da madrugada! No dia seguinte, tudo igual e isso toda semana. Quando não havia o serviço de entrega nas administrações, também as administradoras de administrações extraordinárias iam de madrugada fazer compras. O serviço de acondicionar as compras, de cuidar do armazém também é pesado, uma vez que pelo grande número de pessoas residentes, também o é o volume de caixas de frutas e verduras a serem transportados: laranjas, tomate, batatas, arroz, etc.

Nas administrações ordinárias (ao) onde meia hora é como em nenhum lugar 30 minutos, o acabar uma limpeza em determinada zona da residência sempre supõe esforço, uma vez que na organização dos serviços se tem presente o lema dar conta. Viver numa ao é viver do relógio. Nos oito anos que estive numa administração ordinária, não havia possibilidade de assistir telejornal e também de parar para lê-lo, podendo-se dizer que as notícias são recontadas nas tertúlias.

Um capítulo à parte, é o da pequena chance de liberdade para adquirir uma roupa mais da moda e sair da rotina do trabalho para ir a uma loja escolher algo. Acostuma-se facilmente com o que lhe chega pelas diretoras –no centro se tem um armazém de peças guardadas em bom estado - e não se percebe que poderia ter o normal de uma pessoa de sua condição e faixa etária se pudesse escolher numa loja de departamentos. Sim, como em toda família pobre o que não serve para um vai para outro irmão. Como não se gasta a roupa pelo fato de se usar uniforme as roupas ficam fora de moda, e como nem todas elas são “ligadas” nem sempre estão de modo natural como as demais pessoas de sua condição: ou usam seda, saias longas demais, calças compridas largas (reformadas).

Para uma numerária auxiliar apitar, a candidata deve mostrar aptidão e querer incorporar-se a vida de família. Isso acontece através dos Internatos, hoje escolas hoteleiras ou ainda vir trabalhar numa casa da sf. Em 1991 acompanhei uma candidata ao trabalho na Casa Nova. Mostrei-lhe o centro todo, o oratório, a sala de jantar da residência, enfim, vários andares e centenas de metros quadrados de casa muito bem decorada, confortável, etc. Foi então que nos encaminhamos ao que seriam seus aposentos: um quarto onde cabiam cama, criado-mudo e um pequeno armário. Caiu-me a ficha! Não pude insistir nem acabar de resolver com ela o assunto, uma vez que a decepção foi mútua. Talvez neste momento tenha começado minha decepção com a obra.

Outro fato que me desgostara muito foi perceber que as diretoras tinham em seu centro possibilidades de passear de carro, quando as numerárias auxiliares saíam de ônibus e em tempo restrito principalmente aos domingos. Havia naquele tempo pouca possibilidade de descanso semanal uma vez que depois do almoço (quando terminavam de servir a residência) é que saíam para as atividades apostólicas do centro a que pertenciam.

Como elas têm grande coração se esmeram pelos seus residentes, para que tudo esteja do melhor modo possível e ainda que se' viva espremida como um limão, rodam como o burrinho suas voltas, sendo o tapete onde pisarão macio os demais.

VR