A Irmandade do Ex-Membros

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Prefácio

Fui numerário do Opus Dei de 1992 a 1996. Nasci em 1968 e portanto entrei no Opus Dei com 24 anos, somente após ter me formado em engenharia civil. Ou seja, não entrei tão cedo, como muitos fizeram aos 14 anos e meio. No entanto isto não significa que tivesse uma maturidade psicológica desenvolvida. Fui morar num Centro da Obra em 1994, para fazer o Centro de Estudos em São Paulo. Nesta época já trabalhava como engenheiro numa empresa e também fazia pós graduação. A minha rotina no Centro de Estudos tinha uma carga de formação que englobava as aulas de latim, palestras de formação, aulas de filosofia, atividades para membros, atividades da obra de São Rafael e atividades da obra de São Gabriel.

O auge de minha crise vocacional foi no dia 25 de dezembro de 1995 e deveria me preparar para mudar de centro na passagem do ano. No dia 28 de dezembro de 1995 (dia dos Santos Inocentes), utilizando as mesmas palavras de Monsenhor Escrivá, eu VI o que era a Obra. No dia 04 de janeiro de 1996, consegui me mudar para a casa de meus tios, pois meus pais estavam ausentes do país. E no dia 19 de março de 1996 não fiz a renovação como membro da Obra.

A revelação de meu nome é para fazer a minha própria desmitificação e deixar que o clima "misterioso" acabe de vez aqui no Brasil. Ou seja, quero que haja uma discussão aberta, livre e democrática do fenômeno Opus Dei, que todo nós nos defrontamos em nossas vidas. Alguns podem achar que se trata de suicídio. Talvez por ser descendente de japoneses, tenho tendências kamikazes. Ou ainda, talvez seja uma inspiração de São Paulo Miki e Companheiros Mártires, que morreram defendendo a fé católica num país que desconhecia até então o cristianismo, cuja data de comemoração é no dia 06 de fevereiro e neste dia não há nenhuma Festa A, B, C ou D na Obra.

Depois que saí da Obra fui me recompondo aos poucos, conforme relatado no testemunho anterior (A Jornada do Herói). Consegui conciliar a minha vida profissional com a vida acadêmica, realizando um estudo de mestrado que trouxe um grande benefício econômico para a minha própria empresa. Por incrível que pareça, obtive o título de Mestre justamente numa data que não vou me esquecer, pela coincidência: 26 de junho de 1998.

Esta segunda parte de meu testemunho é mais comprida que a primeira. Portanto, ler de uma vez só pode ser cansativo, assim vou passar algumas dicas. Nos capítulos do Inocente e do Órfão falo da vocação e da crise vocacional. No capítulo do Nômade, falo da identificação da face oculta da Obra e das rotas de fuga. No capítulo do Guerreiro, falo das principais armas que o herói deve possuir e também das características de nosso inimigo. No capítulo do Mártir, falo do bom e do mau sofrimento. Também presto uma pequena homenagem às mulheres, que foi a razão de revelar meu nome. No capítulo do Mago, respondo o enigma: O que é o Opus Dei? A partir da teoria proposta (explicada de forma gráfica) faço uma série de desdobramentos que explicam certas manifestações interessantes acerca desta instituição. E finalmente termino fazendo as minhas considerações finais.

Afirmo que nada é mais rico do que os contatos humanos, pois somente o contato real (e não pela tela do micro) com ex-membros fizeram-me dar este novo salto, em que criei coragem para escrever um novo testemunho.

Quando escrevi o primeiro testemunho, li bastante os livros de Viktor Frankl, o que foi uma experiência muito enriquecedora. Neste segundo testemunho, li e reli de forma mais variada outros autores como Karl Jaspers, Joseph Cambell, Karl Popper etc. Só por isso já valeu eu ter feito este segundo testemunho.

Como toda a seqüência, a segunda parte tem mais "violência" que a primeira e a espada do samurai vai cortar a cabeça do Dragão e a sua, caso não se abaixe depressa. Depois não me diga que te não avisei!!!

Boa leitura!!!

Mr. M

Brasil, São Paulo, Dez 2003

Introdução

Mais uma vez vamos percorrer a Jornada do Herói, com o mesmo ímpeto que move o arqueólogo em suas escavações. Freud descreveu esta tarefa de vasculhar a mente como descobrir camada após camada de nossa psique, antes de chegar aos tesouros mais profundos e mais preciosos.

A estrutura de nossa jornada é fornecida pelo livro "O Herói Interior: Seis arquétipos que orientam a nossa vida" de Carol S. Pearson.

De acordo com Jung, os arquétipos são padrões permanentes e profundos da psique humana que se mantém poderosos e atuantes ao longo do tempo.

Conforme Pearson, os arquétipos escolhidos são apenas seis e que são os que exercem maior influência em nosso desenvolvimento.

A jornada descrita dá-se de forma circular ou espiral e não linear. Resumidamente inicia-se com a confiança total do Inocente, passa à ânsia de segurança do Órfão, ao auto-sacrifício do Mártir, à exposição do Nômade, à competição e triunfo do Guerreiro e por fim à autenticidade e totalidade do Mago. A representação esquemática está apresentada a seguir:

Inocente Órfão Mártir Nômade Guerreiro Mago
Objetivo Nenhum Segurança Bondade Autonomia Força Totalidade
Tarefa Queda Esperança Capacidade de doação Identidade Coragem Alegria/Fé
Medo Perda do Paraíso Abandono Egoísmo Conformismo Fraqueza Superficialidade

Em nossa vida estamos constantemente trocando de papéis para diferentes contextos. Possuímos diferentes máscaras em diferentes situações e pessoas. Quando assumimos um determinado papel, somos tentados a ser um tanto dogmáticos. E quando passamos para um outro papel, constatamos o quão dogmático fomos no passado. Ou seja, constatamos nossas próprias contradições. E isto torna a nossa vida mais rica, pois assumimos diferentes paradigmas e fortalecemos o nosso desenvolvimento.

O que devemos buscar não é que os outros mudem e sim trabalhar a nossa própria coragem. Fazer o que você acha que deva ser feito, sem insistir com que os outros concordem ou não com você.

Devemos agir com nossa autenticidade, acreditarmos em nós mesmos e alcançar tudo aquilo que se precisa para o crescimento da alma.

Por isso cada um de nós tem uma atitude diferente em relação à Obra em diferentes estágios da vida. Cada vez que eu leio um mesmo testemunho mais de uma vez eu tenho uma visão completamente diferente. Se eu estou dominado por determinado arquétipo posso discordar completamente da visão de uma outra pessoa. Mas me esqueço facilmente que passei pelo mesmo estágio.

Por exemplo, quando leio um relato de uma pessoa alegando uma profunda crise vocacional dentro da Obra, achamos extremamente óbvio o que se está passando com a pessoa pois já passamos pela mesma situação. Muitas vezes achamos um tanto superficial e infundada as alegações da pessoa afetada. Sabemos o que se está passando, mas muitas vezes não damos tanta importância pois é uma questão pessoal já superada. Muitas vezes não queremos perder tempo nesta questão pois os nossos problemas agora são outros. Estamos em busca da resolução de outros problemas, por exemplo, como vou me recompor economicamente, como vou lidar com minha fé em Deus, como vou lidar com minha questão existencial, como vou lidar com meu relacionamento com pessoas do sexo oposto etc. Conforme as palavras do filósofo Karl Popper (palestra dada em 1991, chamada "A vida é aprendizagem"), a vida é uma contínua resolução de problemas.

Nesta resolução de problemas em relação à Obra cada um pode assumir um arquétipo diferente. E a partir deste arquétipo assumimos um papel que é único na vida e que não pode ser repassado. A forma como enfrentei e superei a Obra pode ser completamente ridícula para uns, interessante para outros ou ainda, indiferente. Eu mesmo posso achar tudo isto em diferentes estágios de minha vida, pois a vida é fluida.

Os Santos Inocentes

O Jardim do Éden

Em nossa história pessoal fomos atraídos pela Obra como crianças em busca de conforto e segurança. Atuamos como os Inocentes, encarando que o Mundo existe para nos satisfazer e no servir.

Em minha história, a pessoa que me levou no Centro (hoje, ex-numerário) morava em meu bairro e brincávamos juntos quando crianças. Isto ocorreu em meu primeiro ano de faculdade. Por se tratar de um velho conhecido, foi motivo suficiente para eu depositar uma confiança nela. Este amigo possuía um intelecto fenomenal e para mim foi um modelo de estudante dedicado. Este meu amigo ajudou-me muito em seu ramo específico do conhecimento e me estimulou a freqüentar um centro da Obra, assim como ele fazia.

Depois disso fui sendo introduzido às aulas de catecismo que foram dadas por um membro da Obra (hoje, ex-numerário), pois eu havia largado há muito tempo a freqüência à Igreja. Só havia feito a primeira comunhão e nunca mais havia posto os pés numa igreja.

Aos poucos fui conhecendo outros freqüentadores e membros da Obra, que se caracterizavam por serem bons estudantes em suas respectivas áreas e também simpáticos.

Após alguns meses de freqüentar um Centro da Obra, fui convidado a participar de minha primeira convivência. Este meu amigo me insistiu tanto, que fiz de tudo para não ir, até ceder. A minha última desculpa foi de que não haveria tempo de sair da faculdade para o Centro pois deveria passar antes em casa, preparar as malas e tomar o ônibus, o que levaria me levaria a atrasar. Para meu espanto eles se propuseram a vir buscar em minha casa de carro e quem estava dirigindo era o sacerdote que ia pregar a convivência. Ou seja, para uma mentalidade "clerical", estávamos na mão de Deus.

Na primeira reunião da convivência, onde se passavam, as instruções gerais do convívio, o Diretor chamou-me pelo nome. Isto me impressionou pois não havíamos sido apresentados. Ele sabia quem eu era e eu não sabia quem era ele. Fora isto notei que havia um grande aproveitamento do tempo. Não havia espaço para ficar com os pensamentos próprios. Era tudo muito corrido.

Na hora do futebol fazíamos os times e nos divertíamos. O sacerdote que dirigiu o carro também jogava bola, o que de novo surpreendeu a minha mentalidade "clerical".

Após o convívio em minha mentalidade extremamente ingênua, pensei que eles me levariam de volta para a casa. Para a minha surpresa, o destino foi direto para o Centro e eu deveria voltar de ônibus com as malas. Mostrados estes acontecimentos, eu senti que havia sido apenas um número ou ainda uma "cota" de uma atividade apostólica. Já havia pago o pacote turístico e isto não incluía a volta para casa. Ora isto não ocorre no mundo real. Se eu proponho uma diversão com um amigo que não tem carro, eu busco e levo para casa este amigo. Apesar de ser um detalhe extremamente superficial, eu registrei este acontecimento como sendo uma "atividade forçada".

Aos poucos fui sendo introduzido nas palestras, nos recolhimentos, nos círculos, nos retiros e nas convivências. Tornei-me um católico exemplar. No entanto minha intuição me dizia que algo não me agradava. Sempre se pedia mais e mais.

Desta forma eu decidi provocar uma ruptura me afastando da Obra. O jovem rico se afastou da Obra para se dedicar a tarefas da paróquia da Igreja de meu bairro.

As atividades consistiam em dar aulas de catequese e crisma/confirmação junto a uma amiga minha. Esta amiga ainda continua esta atividade apostólica até hoje. Ao contrário do que muitos possam pensar nunca senti nenhuma inclinação sexual ou deixei-me enamorar por esta amiga.

As atividades na paróquia me deram muita alegria, no entanto não havia pessoas de nível universitário, em que pudesse discutir e aprender melhor os aspectos de formação e doutrina católicas. Desta forma voltei a freqüentar o Centro da Obra e mantive em paralelo as atividades da paróquia. Apresentei a esta minha amiga a Obra e até hoje ela participa dos meios de formação da Obra bem como continua suas atividades apostólicas na paróquia.

Durante todo este tempo que se somaram 5 anos como de São Rafael, a Obra sempre pedia mais e mais. Em minhas conversas fraternas com o sacerdote e o numerário que me atendiam na época foi me falado que minhas atividades numa paróquia de Igreja não era vocação. Vocação era entrar na Obra. Este é um comportamento comum dentro da Obra e diante destes fatos podemos interpretar que a Obra tem um certo desprezo por tudo o que não se refere à ela mesma.

A essência do estágio da inocência é a crença numa hierarquia benevolente, na qual os que detêm poder provêm a subsistência dos que estão sob seus cuidados. Como resposta devemos mostrar a nossa gratidão, servindo-os e sustentando-os.

Após todas as conversas e convívios não houve outra alternativa que apitar, realizada através da "santa coação". Se o grão de mostarda não morresse não daria frutos. Em minha primeira conversa com o Diretor sobre a vocação ele me perguntou porque queria entrar para a Obra. A minha resposta foi: "Devo fazer a vontade de Deus, se não eu vou para o Inferno". E isso eu disse com toda sinceridade. O Diretor ao ouvir esta resposta, falou que eu devia refletir mais um pouco e me entregou uma Revista Crônica da década de 70, para fazer oração. Depois de uma nova conversa, escrevi para o Padre no dia 25 de março de 1992, na Festa da Anunciação do Senhor.

Meus pais aceitaram que eu me fosse para a Obra. Isto provocou muito sofrimento para eles, assim como para todos os pais. Creio que minha entrada na Obra levou a minha mãe a voltar a freqüentar a igreja aos domingos, hábito que ela conserva até hoje e que considero um saldo positivo nesta minha jornada.

A minha primeira surpresa como numerário foi constatar que a direção espiritual seria realizada pelo Diretor do Centro e não mais pelo sacerdote. Isto foi bem decepcionante para mim, pois gostava muito de falar com o sacerdote que me atendia. E mais, eu nem sabia direito que existia um Diretor no Centro.

Neste estágio, o Inocente procura atender todas as recomendações para fazer a vontade de Deus. Não há tempo para pensar muito, pois são muitas informações a serem absorvidas num curto espaço de tempo.

Desta forma depositei um voto de confiança nas pessoas que me atendiam na Obra, pois acreditava que fazia o melhor para a minha vida. Depositei também um voto de confiança na Igreja Católica, pois se tratava de uma instituição devidamente reconhecida. Isto é, possuía um selo de garantia dada por uma instituição de 2000 anos, da mesma forma que uma empresa possui um certificado de qualidade de ISO 9000.

Neste estágio de inocente nos tornamos o "centro das atenções". As pessoas vem conversar com você, somos bem atendidos e viramos objetos de dedicação das pessoas do Centro. Poderíamos sintetizar a mentalidade utilizada pelos (as) numerários (as) no apostolado como sendo: Todas as pessoas são boas (inocentes) até apitar...

A supermitificação

Uma característica que muitos de nós carregamos é realizar a supermitificação das pessoas. Transformamos as pessoas em supermitos.

Na Obra isto é muito evidente em relação ao Nosso Padre, ao Padre e precisamente em cada país, o Vigário Regional e os membros da Comissão Regional. Podemos incluir nesta lista algumas pessoas mais velhas que considerávamos também supermitos, devido a sua projeção intelectual ou profissional, ou por ter-nos feito apitar.

Mesmo hoje, em nossa mentalidade ingênua tendemos a criar os supermitos. Por exemplo, caso alguém da família esteja com câncer, somos tentados a depositar o nosso voto de confiança totalmente no médico que nos atende, pois enxergamos como o "Senhor da Vida".

Após encaminhar o meu testemunho "A Jornada do Herói" para a WEB, encaminhei uma cópia também para o meu médico psiquiatra. Ele me respondeu que havia gostado muito e acreditava também que seria um meio de ajudar as pessoas. No entanto ele me chamou a atenção dizendo que eu havia exagerado o seu papel em minha vida como mentor. Ou seja, eu fiz a supermitificação do meu médico.

Quando supermitificamos alguém, grande parte do que esta pessoa fala ou escreve torna-se a verdade absoluta. Na vida retornamos muitas vezes a este papel do Inocente diante de um Supermito.

Podemos derivar ainda esta supermitificação numa outra característica, que é sermos paternalistas. Quando entramos na Obra, esperamos que a estrutura paternalista tomasse conta de nossa vida e determinasse o que deveria ser feito. Fomos em busca de uma estrutura paternalista para buscar acolhimento e compreensão, pois o mundo nos era muito hostil. Muitos que entraram para a Obra não tinham desenvolvido uma estrutura psicológica forte e foram buscar isto externamente.

Com isso queremos dizer que já carregávamos algumas características antes de entrar na Obra e não podemos culpá-la por tudo o que nos aconteceu. Certas características podem ter sido potencializadas e outras anuladas dentro da Obra. Por exemplo, muitos ex-numerários podem hoje estar enfrentando dificuldades psicológicas. Mas quem não garante que estas dificuldades já não existiam antes de entrarem para a Obra? Ou ainda, justamente por estarem dificuldades psicológicas na época é que decidiram entrar na Obra? Cada um que se examine e entenda-se melhor.

Uma derivação que podemos fazer do paternalismo é sermos passivos e não sabermos direito o que queremos na vida. Os outros escolhem por mim e não sou eu que faço as escolhas. Por isso muitos de nós não escolhemos a vocação e escolheram por nós. Devemos ter a auto-crítica para checar se não somos muito passivos e sem iniciativas.

A supermitificação carrega junto o seu oposto, que é a superdegradação. Isto é, se não for mocinho, é bandido. Se não for do bem, é do mau. Se não está comigo, está contra mim. A ingenuidade dos Inocentes acentua a visão do mundo de uma forma maniqueísta, onde as pessoas são enquadradas conforme o grupo a que pertencem. Em nossa limitada visão de mundo, caso a pessoa não se enquadrasse no grupo Opus Dei, é tachada de pagã, materialista, agnóstico, egoísta, hedonista, superficial etc. De um lado há a "cultura de morte" e de outro a "cultura da vida", cujo único caminho é o Opus Dei. Qualquer outro caminho não serve, somente o Opus Dei, mesmo que haja outros apontados pela Igreja Católica. Ocorre então um desprezo por tudo o que não seja referido ao Opus Dei. Para ilustrar este desprezo, gostaria de comentar um episódio bem simples. Quando fiz o Centro de Estudos, eu me propus a ler o "Compêndio de Teologia Ascética e Mística", de A.D. Tanquerey, dentro das Normas, como leitura espiritual. No entanto, meu Diretor disse-me que se quisesse ler este livro deveria ser como leitura extra e não como leitura espiritual. E me citou como exemplo de leitura espiritual, alguma biografia de Nosso Padre.

Quando conhecemos a Obra, o primeiro estágio que percorremos é entrar em contanto com a mensagem atraente de santificação no meio do mundo, que todos nós supermitificamos. Em seguida, o grande salto que a Obra nos propõe é informar que esta santidade no meio do mundo, só pode ser alcançada se nos fizermos da Obra. Não há outra alternativa digna para os freqüentadores do meios de formação da obra. Ou seja, escolhermos um caminho que supermitificamos e superdegradamos todos as outras vias.

A ingenuidade

Até hoje sou acusado de ingênuo pelo meu chefe na empresa em que trabalho. Muitas vezes penso que não mais tão ingênuo assim e freqüentemente me engano.

Em minha ingenuidade continuei a minha vida após a Obra e defini o meu pensamento em relação à Obra conforme relatado na "Jornada do Herói".

Somente após ter conversado com outros ex-membros foi que tive indicadores e evidências reais que de que também há sombras na Obra. Cabe então alertar as pessoas deste comportamento e mostrar como é de fato o seu sistema operacional.

Ainda a respeito da ingenuidade, podemos ver um aspecto positivo desta característica. No começo de meu estudo de mestrado, realizei uma investigação para solucionar um determinado problema na empresa que trabalho. Várias pessoas me criticaram este projeto de pesquisa, falando que não ia resultar em nada. Houve muito ceticismo por parte das pessoas mais antigas na companhia. Em minha ingenuidade, procurei investigar primeiro teoricamente os argumentos favoráveis e em seguida realizei o experimento prático que demonstrou a viabilidade técnica e econômica deste estudo. Caso tivesse cedido as pressões contrárias e que foram muitas, não teria terminado este trabalho. Hoje, após vários anos, eu mesmo verifico me tornei mais cético em relação às mudanças inovadoras. Ou seja, tenho que me vigiar para não me tornar o cético que eu tanto criticava no começo de minha carreira profissional. Às vezes uma boa dose de ingenuidade torna-se um combustível para a vida.

O Órfão

A Irmandade do Ex-Membros

Através da opuslibros, chegou-me um e-mail numa tarde de domingo relatando a saída de um numerário, com 35 anos de Obra, Dr.L. Depois de ler o seu testemunho estabeleci um contato por e-mail e solicitei que gostaria de trocar umas idéias. Revelei também que eu era o Mr.M da Jornada do Herói.

O Dr.L respondeu-me que gostaria que me encontrar e marcamos um encontro na Universidade.

Revelo que encontrar um ex-membro é uma sensação muito agradável de companheirismo e fraternidade. Era como encontrar um ex-combatente de guerra.

Através do Dr.L fiquei sabendo de sua história pessoal e outros abusos cometidos em relação a outros ex-membros da Obra, alguns deles já estampados aqui mesmo, no site opusdob. Também fiquei sabendo que alguns sacerdotes (que eu imaginava como intocáveis) estão passando momentos muito difíceis, com cargas psicológicas muito intensas. Perguntei sobre outros numerários que eu supermitificava e muitos deles também já haviam ido embora.

Órfãos na Obra

Na Obra somos todos órfãos que se caracterizam por serem indignos e dependentes. Os diretores na Obra no afã de sentir-se seguros, necessários e valiosos, empregam mal o seu papel de orientadores. Ao invés de tornarem as pessoas autônomas, elas acabam se tornando somente pessoas dependentes, passivas, cativas e agradecidas. Na Obra, não se desenvolve a liberdade. O que existe é uma tremenda desconfiança em relação à nossa liberdade.

A Obra aproveita-se da mentalidade dependente de seus membros e convence de que ninguém mais no mundo irá amá-los como os próprios membros. Ninguém mais no mundo será capaz de compreendê-los. Ninguém mais no mundo irá tratá-los com comida servida no horário e roupa lavada.

O relacionamento dos órfãos dentro da Obra se dá somente na vertical, isto é, com os superiores. Não há verdadeiro relacionamento na horizontal, isto é, com outros numerários que não possuem um cargo de direção. Não se permite o estabelecimento de amizades com outros órfãos. O que é permitido é o controle e a vigilância em cima dos outros numerários, através da correção fraterna.

Quando ocorre a Queda e não vemos mais sentido algum no que estamos fazendo, sentimo-nos desiludidos. Tudo se torna sem sentido. Toda aquela carga de informação proporcionada pelas normas torna-se mecânica e não representa mais nada em nossas vidas. A vida fica sufocada pela quantidade de informação, quando se deveria priorizar a qualidade da informação. Não conseguimos mais digerir estas informações e entramos em colapso.

O órfão sente-se agora impotente e abandonado. O lamento é: "Ninguém me compreende". Tornamo-nos extremamente sensíveis e raivosos. Qualquer crítica não é bem vinda. A raiva pode se voltar contra mim mesmo, abaixando ainda mais a minha auto-estima. Ou ainda, a raiva pode se voltar contra tudo e contra todos, inclusive Deus.

Questionamos que Deus não deveria ser um burocrata, que contabilizaria "on-line" todas as normas de vida e elaboraria um espesso relatório com todas as minhas atividades.

Questionamos que Deus não deveria ficar me exigindo fidelidade, fidelidade, fidelidade a todo instante. Pois toda vez que ouço fidelidade também penso simultaneamente em infidelidade, infidelidade e infidelidade. E quem exige fidelidade toda hora não ama e não confia. E isto não é Deus.

Neste estágio não irei usar a minha dor para manipular os outros, para que se compadeçam de mim, para que se sintam culpados, para que realizem os meus desejos. Não irei entrar numa competição para mostrar que meu sofrimento é maior do que do resto das pessoas. Pois assim estimula-se que haja sofrimento e traz como conseqüência um certo poder. Quem sofreu mais, acaba sendo o dono da razão e estaciona no sofrimento. Dessa maneira, não há progresso. O sofrimento é apenas um estágio da jornada da vida. O que importa é o movimento para a alegria, as realizações, o amor, o crescimento, o amadurecimento etc.

A culpa pode ser intensificada quando lemos na Bíblia: "de que adianta ao homem ganhar o mundo e vier perder a sua alma". Podemos em nossa conversa com Deus dizer: "mas de que adianta ao homem perder o mundo e a sua alma?". Ou ainda sermos crianças diante de Deus e propor: "irei ganhar o mundo e minha alma". Neste estágio podemos tudo como crianças. Ou ainda: "Eu prefiro ser um rico com saúde, a um pobre doente".

Alguém lá em cima gosta de mim. Deus quer o meu bem. Deus vai me apoiar em minha decisão. Deus vai dar um jeito de eu recompor a vida. Eu confio Nele. Não tenho medo do desconhecido, pois também sou Filho de Deus, assim como Josemaría Escrivá foi. Se ele foi, eu também sou.

Órfão versus Órfão

Depois que o Herói torna-se órfão dentro da Obra, os seus superiores não admitem que o provedor da esperança seja atacado. Pois o provedor era única esperança de salvação para eles. O provedor da esperança é o Supermito, que em nosso caso é a Obra, que é igual ao Nosso Padre.

Qualquer crítica ao Supermito será vista como profundamente ameaçadora. Para a mais leve murmuração, serão rapidamente erguidas enormes muralhas para protegê-lo. E isto leva ao fanatismo.

Não é possível a menor crítica construtiva em relação aos superiores e à Instituição. Pois tudo já está determinado e é perfeito.

Estas fobias são comuns de acontecerem em relação aos partidos políticos, ao comunismo, às entidades protetora do meio ambiente, às movimentos feministas etc. É de novo o maniqueísmo.

A instituição, para se proteger, irá voltar toda a culpa em você mesmo. Neste momento, o objetivo é enfraquecer o membro que tenta se rebelar, revelando-lhe que é um fraco e que o fracasso foi resultante de suas atitudes. A Obra é inatacável e perfeita. Qualquer defeito é atribuído ao membro rebelde, que não compreende a vontade de Deus. A vítima é a culpada pelo crime. É como eu atravessar a rua e um carro me atropelar ao passar no sinal vermelho. O condutor do carro pára e, ao invés de me prestar ajuda, sai xingando em voz alta e manda-me pagar os estragos feitos na lataria. Ocorre a inversão dos papéis.

A arma contra a angústia e o desespero

O principal problema gerado pela Queda do órfão é a angústia e o desespero. Para descrever estes estados da alma, vamos recorrer a Kierkegaard, que expôs de forma brilhante estes conceitos, que foram retirados do livro "História da Filosofia" dos filósofos Reale e Antiseri.

Para Kierkegaard, a angústia é uma situação típica da pessoa em relação ao mundo e desespero é uma situação da própria da pessoa consigo mesma.

A existência é o reino da liberdade, onde a pessoa é o que ela escolhe ser, é o que se torna. O modo de ser da existência não é a realidade ou a necessidade e sim a possibilidade.

E aí reside a angústia segundo Kierkegaard, "a possibilidade é a mais pesada das categorias".

Existência é liberdade; é poder ser; isto é possibilidade: possibilidade de escolher entre ser ou não ser mais da Obra; possibilidade de ficar paralisado sem escolher, até que alguém escolha por mim e me expulse por um motivo banal; possibilidade de escolher sair da Obra e encontrar sofrimento, dificuldades econômicas e desajustes com minha fé; possibilidade de ficar na Obra e estar sujeito a desajustes mentais; possibilidades infinitas, ou seja, risco.

O que deve ficar claro é que o risco existe caso eu decida ser ou não da Obra. Na vida não existe alternativa 100% segura. Qualquer trilha a ser percorrida contém riscos. O que os depoimentos de ex-membros está trazendo é tornar público que o mundo seguro pregado pela Obra não é tão seguro assim. Existem pessoas que quiseram permanecer mas foram expulsas após anos de dedicação. Querer não é poder.

A realidade é que a existência é possibilidade e, portanto angústia. A angústia é o puro sentimento do possível, é o sentido daquilo que pode acontecer e que pode ser muito mais terrível do que a realidade.

Para Kierkegaard, o possível corresponde ao futuro e portando estão conjugados. Ou ainda podemos dizer que a angústia é sofrer por antecipação.

Para Kierkgaard, "a coisa mais terrível concedida a pessoa é a escolha – a liberdade."

Uma frase muito citada e muito incompreendida de Kierkegaard é: "A subjetividade é a verdade". A interpretação desta frase foi retirada do livro "A escada dos fundos da filosofia", de Wilhelm Weischedel, mostrada a seguir: "Com isso não se quer dizer que tudo seja meramente subjetivo e relativo à pessoa, ou que não exista nenhuma realidade objetiva. Kierkegaard repudia esse gênero de interpretação, representada pelo relativismo corrente. Quando repete incessantemente que a subjetividade é a verdade, Kierkegaard pretende dizer com isso que a possibilidade de algo se tornar verdade para nós depende de nossa capacidade de, com plena paixão, agarrá-la como sua verdade pessoal. Possuir uma verdade não tem nenhum sentido se ela não toca e não transforma a existência".

Ainda segundo Weischedel acerca de Kierkegaard: "A verdade só é vital para quem, decisivamente, se apropria dela e a realiza em sua existência concreta. Kierkegaard aplica esse ponto de vista também a si mesmo: Importa-me encontrar uma verdade que possa ser verdade para mim; encontrar a idéia pela qual quero viver e morrer".

Já o desespero é a culpa da pessoa que não sabe se aceitar a si mesma em sua profundidade. É um mal entendido consigo mesma, quer através de uma busca desesperada, quer seja através de uma fuga que resulta em distração. E daí surge o desespero.

O desesperado está mortalmente doente, sem auto-estima, com pensamentos auto-destruidores, pensando ser um Judas, um herege, um mundano.

Na verdade o desespero surge em não aceitar que está nas mãos de Deus. E negando a Deus, a pessoa aniquila-se a si mesma, pois afastar-se de Deus equivale a afastar-se da única fonte da vida.

Então a única solução autêntica para sair deste estado de desespero é a esperança em Deus. A solução da existência é não crer em si mesmo, mas somente em Deus.

Quando falamos da esperança em Deus, não estamos falando do Deus que fala através da boca dos "funcionários" da Obra. Pois como diz Kierkegaard: "ninguém pode se pôr em meu lugar diante de Deus".

Os "funcionários" da Obra estão treinados para defender a instituição e não o bem da vítima. Caso os "funcionários diretores" achem o caso meio complicado, recorrem-se aos "médicos" da Obra, que podem ou não ter especialidade em psiquiatria. O maior erro desta abordagem é que o "médico" terá uma visão institucionalizada do caso e será influenciado por um critério proseletista. Frankl a esse respeito diz: "Nós como indivíduos podemos pensar sobre essas coisas de uma forma ou de outra, mas, quando agimos como médicos, não temos nem o direito de impor ao doente nossa opinião sobre religião, seja ela positiva ou negativa, nem o de criticar de forma depreciativa aquilo que ele possa pensar, positiva ou negativamente, a respeito de religião".

Esta abordagem errônea da medicina volta-se contra si mesma, pois muitas pessoas desistem de consultar os médicos após a saída da Obra. A abordagem da medicina estabelecida pela Obra foi a tal ponto deformada que os órfãos olham com tremenda desconfiança os médicos psiquiatras e o consumo de medicamentos. Muitos problemas como insônia, pesadelos, angústias, ansiedades e depressões podem ser prolongados por esta postura defensiva dos órfãos em relação aos médicos.

O remédio para sair deste estado é o verdadeiro encontro com Deus através da esperança. Neste período de provação suprema, temos que nos abandonar e afirmar a esperança no verdadeiro Amor. Temos que lembrar que existe um Deus que nos ama com nossos defeitos e virtudes, do jeito que somos, com o nosso temperamento, com o nosso defeito dominante. Podemos dizer sinceramente com o nosso coração: "Senhor, eu não digno de que entreis em minha morada, mas dizeis uma só palavra e serei salvo".

Quem ama a Deus não teme, pois conforme I João, 4,18: "No amor não há temor. Antes o perfeito amor lança fora o temor, porque o temor envolve castigo, e quem teme não é perfeito no amor".

Podemos usufruir a imensa dor que sentimos como um impulsionador para um grande salto. Um salto que nos leva ao crescimento e a mais saltos, proporcionando mudanças contínuas. Ao invés da dor ser inútil e paralisante, ela se torna a nossa fonte de energia. A dor adquire um sentido em nossa vida.

Nesta etapa do órfão, a mentalidade do herói processa-se da seguinte maneira: EU SEI O QUE NÃO QUERO, MAS NÃO SEI O QUE QUERO.

O Nômade

O Cativeiro

A etapa do nômade começa no cativeiro e, em nosso caso, quando reconhecemos que estamos presos na "armadilha vocacional". Estamos presos numa gaiola, que está sendo vigiada pela Obra.

O que mais caracteriza a etapa do nômade é a identificação do vilão da história. Os nômades identificam uma pessoa, instituição ou sistema de crença como o causador do seu infortúnio.

Em nosso caso, identificamos claramente que o sistema da Obra representava a infelicidade em nossa vida. Verificamos que a Obra não era perfeita e constatamos que a teoria a e prática entravam em conflito. Mas como Josemaría Escrivá dizia que "Omnia in Bonum", deveríamos ter uma visão "sobrenatural" e desculpar os eventuais defeitos causados por falhas humanas pontuais. Desta forma a falha era minha e não da instituição. Assim engolia-se mais uma justificativa para o injustificável.

Freud fez a seguinte confissão em A interpretação dos Sonhos: "Um amigo íntimo e um inimigo odiado sempre foram requisitos necessários de minha vida emocional". Nesta fase o herói sabe que deve depositar a confiança em algumas pessoas (como os mentores) e fugir de outras (os inimigos). Ocorre então a separação do joio e do trigo, ou seja, em quem eu confio e em quem eu não confio. Assim fugimos também de um erro, expresso num ditado inglês, "Confiar em todo mundo e não confiar em ninguém são exatamente o mesmo erro". Buscamos assim as nossas verdadeiras e sinceras referências nas pessoas certas. Temos agora uma bússola que dará a direção a ser seguida e não um espesso manual de instruções com regras e mais regras, que controlam cada passo que dou e que nunca serei capaz de memorizar por completo.

Já sabemos que o herói é aquele que mais aprende ou cresce no decorrer da história. E o vilão, como identificá-lo?

Muitas vezes nos filmes para crianças, os vilões são feios, têm uma cicatriz na face, usam um tapa olho etc. São figuras super estereotipadas e identificáveis rapidamente pelo aspecto externo.

O vilão é aquele que é soberbo, auto-suficiente, pensa que sabe tudo, diz que não erra e se erra não admite. O inimigo é poderoso e sedento por mais poder. Por possuir uma autoridade muito alta é temido e ambiciona reverter tudo em benefício próprio.

De acordo com Joseph Campbell em "O Herói de mil faces", "a transformação e a fluidez caracterizam o Deus vivo e não o poder teimoso. A grande figura do momento existe tão somente para ser derrubada, cortada em pedaços e espalhada pelos quatro cantos do mundo. Em suma, o ogro-tirano é o patrono do fato prodigioso; o herói patrocina a vida criativa".

Ainda de acordo com Joseph Campbell em "O poder do mito", relata-se no ponto 153 uma descrição que se encaixa perfeitamente em relação ao que se passou em nossas vidas de ex, parecendo que foi escrito para nós: "Darth Vader não desenvolveu a própria humanidade. É um robô. É um burocrata, vive não nos seus próprios termos, mas nos termos de um sistema imposto. Este é o perigo que hoje enfrentamos, como ameaça às nossas vidas. O sistema vai conseguir achatá-lo e negar a sua própria humanidade, ou você conseguirá utilizar-se dele para atingir propósitos humanos? Como se relacionar com o sistema de modo a não o ficar servindo compulsivamente? Não adianta tentar mudá-lo em função das suas concepções ou das minhas. O momento histórico subjacente a ele é grandioso demais para que algo realmente significativo resulte desse tipo de ação. O que é preciso é aprender a viver no tempo que nos coube viver, como verdadeiros seres humanos. Isso é o que vale, e pode ser feito".

A Obra é uma seita?

Muitas das características citadas até aqui são características de seitas, conforme citado no livro de Steve Hassan. Isto me levou a dúvidas e durante uma das minhas conversas com o meu médico psiquiatra, questionei o que ele entendia ser uma seita. Após a sua reposta, da qual eu não me lembro, perguntei: "Então o Opus Dei é uma seita?". E ele me respondeu que sim e apenas completou que eu havia entrado lá por uma escolha minha. Saber que o Opus Dei é uma seita pode machucar um pouco a nossa auto-estima. É difícil admitir para nós mesmos que pertencemos a uma seita.

Quando referimos a Obra como seita estamos nos referindo a face relativa aos numerários e numerárias. A Obra para os super-numerários(as) representa uma outra face desta instituição. Neste caso um dos objetivos primordiais é o encaminhamento dos filhos e filhas para serem numerários e numerárias. Ou seja, são os fabricantes de pilhas que fornecem a energia para movimentar a máquina do Opus Dei.

Um outro dado complementar veio de uma médica psiquiátrica de uma conhecida minha, que afirmou que o Opus Dei é uma das seitas existentes menos destrutivas. Isto pode aliviar um pouco a nossa visão do passado.

Disto resulta que temos duas opiniões de médicos psiquiatras que afirmam que o Opus Dei é uma seita.

A Obra nega pertencer a qualquer classificação dentro da Igreja Católica, pois acredita ser de uma espécie única. Quando classificamos a Obra como uma seita, damos um golpe certeiro, chamando-a pelo que ela realmente é.

Os dogmatismos

Quando estamos dominados por determinado arquétipo temos a tendência de sermos extremamente dogmáticos em relação a nossa forma de lidarmos com o mundo. Por isto é compreensível que haja órfãos que deixam a Obra com comportamento extremamente agressivo, pois foram vítimas de incompreensões. Ainda são muito sensíveis e perto de qualquer ameaça respondem de forma brutal.

Ao longo dos anos procurei fugir dos comportamentos dogmáticos, como um mecanismo de compensação do que vivi na Obra. No entanto na vida há certos posicionamentos que demos deixar bem claro se não podemos cair em erros futuros.

O que eu sempre soube é que os sentimentos como a raiva, a amargura e a tristeza em relação à Obra são retro-alimentadores. Quanto mais sentimos, mais poderosos se tornam e se apoderam de nosso ser. A forma que encontrei para afastar estes sentimentos negativos foi descrito na "Jornada do Herói".

Como nômade fui em busca de novos lugares, novas pessoas e novas culturas. Mas o Opus Dei sempre esteve oculto, esperando o momento certo para se libertar. Por mais que eu fugisse do Dragão sempre encontrava vestígios de algo que se apoderou de mim por alguns anos, sendo para mim um enigma não resolvido.

No entanto de tanto afastar estes pensamentos negativos, a minha mente entrou em um estado de "hibernação" e suspendi os juízos críticos negativos acerca da Obra.

Após ler e reler os testemunhos e livros silenciados de Opuslibros, bem como conversar frente a frente com outros ex-numerários, quebrei de novo aquele dogmatismo neutro e adotei outro dogmatismo contra.

Certos posicionamentos na vida devem ter um ponto de apoio seguro. Mesmo em relação a Frankl, que foi uma das pessoas menos dogmáticas, nota-se um posicionamento contrário a Freud. Se não tivermos certos posicionamentos bem claros na vida, cairemos em diversas contradições futuras, o que nos pode levar a cair em novas armadilhas.

Este dogmatismo contrário refere-se tão somente a Obra em si e não em relação às pessoas que fazem parte da Obra. Pois muitos que estão lá dentro ainda estão na fase dos inocentes, que não enxergam a maldade. Outros já enxergaram mas são dominados pelo medo.

A quebra da confiança na instituição

Um outro impulsionador para a nossa saída da Obra é a quebra da confiança na Obra e nos seus diretores. Várias pessoas sentiram-se verdadeiramente traídas, pois depositaram toda a confiança na segurança que a Obra proporcionaria. No entanto a constatação de vários direcionamentos errados, desculpáveis pela nossa falta de visão sobrenatural, levou-nos a uma quebra total da confiança em relação aos diretores.

Não sentimo-nos mais confortáveis em seguir os direcionamentos dos líderes da Obra. Decidimos agir com o espírito próprio, pois os aconselhamentos mostraram-se falhos. Justamente pela falta de vivência dos diretores no mundo cotidiano real, explicam-se muitos conselhos mal direcionados.

Em meu caso em particular, a quebra de confiança ocorreu quando no final do meu curso no Centro de Estudos. Nesta época estava afastado do trabalho devido a licença médica por depressão e stress.

O meu diretor na época me aconselhou a abandonar o emprego e me mudar para outra cidade. Este conselho era impossível de ser realizado, pois não poderia me desligar da empresa enquanto não voltasse da licença médica. Perdi a confiança pois deveria primeiro ser tratado, obter a cura e me reerguer. Somente depois disto poderia ser me aconselhado o desligamento da empresa e a mudança para outra cidade.

Quando se quebra a confiança, normalmente não tem mais jeito de recuperá-la. É como quebrar um copo de cristal. Não dá mais para remendar. Ou ainda, é a mesma coisa que constatar que minha esposa, namorada, amante está me traindo. É muito difícil voltar a este relacionamento.

O sistema da Obra favorece este tipo de situação devido a falta de experiência humana de seus diretores. Trata-se de uma característica, ou ainda uma evidência, de falta de trato humano.

A armadilha eterna

Uma outra armadilha muito comum para muitos neste estágio são as eternas discussões "racionais" com os diretores sobre a nossa vocação dentro da Obra. Estes questionamentos podem se estender por anos e não chegar a lugar algum. Só perda de tempo. Quando me propus a ir me da Obra fiquei lendo vários livros de filosofia para achar uma justificação racional/filosófica para a minha saída. Na época elaborei vários argumentos lógicos que no fim se mostraram inúteis, quando apresentados ao meu diretor na época. Quando são esgotados os argumentos lógicos entram os argumentos sentimentais (do tipo: você deve ser exemplo de fidelidade para os mais novos) ou ainda argumentos em nome de Deus (do tipo: isto não é a Vontade de Deus).

A melhor imagem para traduzir esta armadilha é a seguinte: o cachorro correndo atrás do seu próprio rabo.

Nesta "jogo" o cachorro corre vorazmente atrás do seu próprio rabo e não o alcança nunca. Quando o "jogo" é interrompido através do cansaço, o cachorro sai do mesmo lugar em que sempre esteve, extremamente tonto, confuso, sem senso de direção.

Depois que o numerário sai confuso da conversa com o Diretor, após um certo tempo, surgem novas idéias e são travadas outra vez de novas discussões com o Diretor.

Uma saída "suicida" é admitir que é um Judas, um pervertido sexual, um tonto, um traidor, um egoísta, uma pessoa que acabou de se enamorar de alguém, um fraco, um materialista, um apegado ao trabalho profissional, um "workaholic", um neurótico, um depressivo, um soberbo intelectual, um herege, um preguiçoso, um acomodado, um carente emotivo, um obsessivo, um paranóico, um escatológico etc etc etc. Ou seja, admitir que, para o bem da própria Obra, a sua presença irá manchar a reputação da instituição, pois não é suficientemente digno. Esta atitude também tem uma nobreza heróica.

Deve-se ter em conta que o inimigo domina a arte da retórica e estamos em desvantagem. Pois ele sabe de nossos defeitos e nós não sabemos os dele. Nós estamos em crise vocacional e já estamos totalmente enfraquecidos.

A criatividade para sair do cativeiro

Cada fuga da Obra foi devidamente planejada e executada por cada um nós, de forma totalmente solitária. Até pouco tempo atrás não havia uma WEB que relatasse as estratégias de fuga, nem ninguém dentro e nem ninguém de fora, como ex-membro, poderia nos proporcionar uma ajuda.

A chave para abrir esta porta da fuga está na criatividade. E o que é criatividade? Utilizaremos o conceito de criatividade estabelecido pelo pensador italiano Domenico De Masi, que diz: Criatividade é um processo mental e prático, no qual uma pessoa (ou grupo de pessoas) elabora uma idéia nova e fantasiosa e consegue realizá-la concretamente. Portanto não se trata de simples fantasia, nem de simples concretude, trata-se de uma síntese entre estas duas habilidades.

Um exemplo ilustrador de pessoa criativa para Domenico De Masi é Michelangelo, que descreve: "ele não só soube inventar a cúpula de São Pedro (quando tinha mais de setenta anos), mas também soube convencer o papa a privilegiar a sua proposta, conseguiu que sua empresa fosse financiada, soube conduzi-la durante mais de vinte anos com tenacidade e inteligência, coordenando o trabalho de centenas de pedreiros, carpinteiros, escultores e fornecedores".

Ou seja, não ficamos somente no Mundo das Idéias. Somos inspirados pelas idéias e partimos para a ação concreta.

É muito comum ouvir conversas de pessoas que se dizem geniais, que tiveram idéias fantásticas, que se dizem "inventores" mas que não as colocaram em prática e não deram certo na vida.

A partir deste conceito de criatividade devemos admitir então que Monsenhor Escrivá foi uma pessoa criativa. Pois a partir de uma idéia surgida em 2 de outubro de 1928, Monsenhor Escrivá montou uma instituição que chegou nos 5 continentes. Isto é um fato inegável.

Mesmo a canonização de Monsenhor Escrivá pode ser vista como um processo criativo de um grupo de pessoas movidas pelo mesmo ideal e que tornou concreto este objetivo.

Ou ainda a "solução jurídica" da Obra de ser uma Prelazia Pessoal com caráter universal.

Podemos dizer que a Obra possui em seu quadro pessoas criativas, pois conseguem realizar os seus objetivos.

Para quem está do lado de fora não entende muito bem o que se passa com alguém que apresenta os sintomas da crise da vocação. A doutrina da Obra está tão arraigada a pessoa, que não consegue se rebelar contra a instituição. Como nas cenas finais de Robocop, existe um programa que impede que o herói vá contra os superiores da instituição. A culpa volta-se sempre para a vítima. Uma pessoa dentro da Obra foi programada para acreditar que ser numerário(a) equivale a cumprir a vontade de Deus. Qualquer desejo de ser livre da Obra é vista como ir contra Deus.

O conteúdo do programa implantado deve ser alterado de forma a possibilitar a fuga. A pessoa em crise deve ter a criatividade suficiente de realizar um exercício mental de elaborar um plano de fuga e colocá-lo em prática. A estratégia a ser utilizada nesta etapa pelo herói contra pessoas criativas é a sua criatividade pessoal. Somente assim será capaz de escapar da armadilha do Dragão.

Façamos então uns pequenos exercícios para escapar do cativeiro através de algumas abordagens.

Um primeiro exercício que gostaria de discutir é constatar que a pessoa que deseja sair da Obra pensa muitas vezes que está cometendo uma verdadeira heresia, só de pensar em viver uma outra vida que não seja o Opus Dei. Trata-se de um pensamento muito forte e que produz muitos abalos.

Pois bem, podemos adotar a seguinte abordagem: heresia é pensar que sair da Obra é uma heresia. Ou ainda, heresia é pensar que o fato de entrar na Obra corresponde em nossa vida a recepção de um sacramento, como o batismo ou o casamento. Do jeito que nos é colocado, a entrada na Obra tem uma importância correspondente a um novo sacramento na Igreja Católica, o que podemos interpretar como uma verdadeira heresia.

Heresia é pensar que Deus possa ser tão determinista em nossa vida, através de indicações externas elaboradas dentro de uma instituição proselitista.

Em seguida outro pensamento tentador é ficar preso em especulações futuras de perdas e ganhos. Uma pessoa em crise não vive o presente e sofre por antecipação. Vive de um futuro que ainda não existe. Tem medo de sentir medo e não toma decisão alguma. Tem um medo de errar muito grande, dando mostras de ser um perfeccionista.

Na vida não se ganha todas as batalhas. Deve ficar claro que permanecer ou sair da Obra implica em vantagens e desvantagens.

Caso decida em ficar na Obra, devo saber que todo patrimônio a ser futuramente herdado da minha família será direcionado para a Obra. Ou ainda, todo dinheiro que venha a ganhar será destinado a Obra e não terei direito algum após uma eventual saída. Como vantagem podemos afirmar que uma pessoa dentro da Obra terá casa e comida, ou seja, não vai morrer de frio e nem de fome.

Caso decida sair da Obra, devo saber que eu serei o responsável por todas as decisões. Pode ser que não consiga um emprego rapidamente ou ainda, que eu perca meu emprego existente futuramente. Nada garante que eu um dia não morra de fome ou de frio.

Sair da Obra implica em mergulhar no desconhecido. Mas quando entramos na Obra, também mergulhamos no desconhecido. Estaríamos então mergulhando pela segunda vez no desconhecido. Devemos nos lembrar que já fomos extremamente corajosos quando entramos na Obra, pois não sabíamos de todas as implicações possíveis e imagináveis que iriam acontecer em nossas vidas.

Ou seja, não há nada a perder, pois já perdi tudo uma vez.

Mas tem-se muito a ganhar, que é a liberdade. O que importa nesta fase é a elaboração de alternativas ou cenários, diagnosticar os ganhos e perdas de cada cenário e enfim escolher uma das alternativas.

Mas para seguir uma das alternativas, não há somente um critério de escolha, ou seja, não é como num estudo de engenharia, em que a alternativa a ser escolhida é aquela que atenda os critérios econômico, ambiental e técnico. Não podemos reduzir o nosso destino na Obra através de um número quantificável.

Por mais que desenvolvamos as argumentações contra os diretores sobre a vocação, podemos fracassar pois estamos diante de pessoas criativas que encontrarão um contra-argumento para cada argumento.

Só resta então sair pelo coração. Ou ainda pela intuição. Sabemos que algo está errado, mas não conseguimos expressar verbalmente ou por escrito as sensações sentidas. Mas sabemos que se continuarmos lá, continuaremos infelizes.

Muitas vezes no falam que não vamos ser mais felizes se sairmos da Obra. O problema é que agora dentro da Obra já não somos felizes. Tenta-se projetar um cenário futuro extremamente incerto, deslocando a nossa atenção para o presente.

A principal tarefa da etapa do herói nesta etapa de nômade é fugir do Dragão e não matá-lo. O herói ainda não está ainda preparado para matar o Dragão nesta fase, pois se encontra ferido, devendo primeiro armazenar forças, dominar a arte das armas do guerreiro e conhecer melhor o inimigo.

O Guerreiro

 Sun-Tzu
"Por isso se diz: aquele que conhece o inimigo e a si mesmo, lutará cem batalhas sem perigo de derrota; para aquele que não conhece o inimigo, mas conhece a si mesmo, as chances para a vitória ou para a derrota serão iguais; aquele que não conhece nem o inimigo e nem a si próprio, será derrotado em todas as batalhas".

A prudência da serpente

Uma das principais armas do guerreiro é a visão crítica. Para desenvolver a visão crítica temos que nos acostumar a realizar perguntas (muitas vezes óbvias). Saber fazer a pergunta certa é mais valioso do que ouvir uma boa explicação. Quem fala, muitas vezes fala somente o que interessa para si ou para uma instituição a que pertence. Por exemplo, ao entrar numa loja o vendedor será muito atencioso em apresentar-me um produto com o objetivo de vendê-lo. Se eu não sei direito o que eu quero, eu posso ser facilmente enganado e posso comprar qualquer coisa. Caso eu tenha investigado o objeto que quero comprar ou tenha uma visão crítica, saberei fazer as perguntas certas.

Podemos desenvolver a visão crítica através do contato com diferentes pessoas e captar diferentes opiniões e informações. Isto é, estabelecemos uma pluralidade de relacionamentos, que é uma rica vivência. E isto a Obra não estimula ou ainda não permite.

A crítica pela crítica é estéril, pois caracteriza-se por ser paralisante, ou seja, não leva a lugar algum. O que deve ser buscado é associar a visão crítica com a prudência.

Em meu caso, a grande diretriz para a associação da visão crítica com a prudência foi através de uma frase do Evangelho, Mt 10,16 "Sede, pois, prudentes como as serpentes, mas simples como as pombas".

Creio que grande parte de nós fomos, ou ainda, somos muito ingênuos. Somos facilmente enganáveis e não costumamos ver a maldade e malícia das pessoas. Muitos sacrificam-se pelos outros e não gostam de pedir coisas aos outros. Só temos o lado "pomba", que só enxerga coisa boas. E não desenvolvemos o lado serpente, que procura ver o invisível e o oculto.

Durante a minha crise vocacional dentro da Obra, eu elaborei alguns pensamentos que me ajudaram a entender que eu estava em uma "armadilha". Eram perguntas um tanto óbvias e que imaginei "Mas será que ninguém pensou nisso antes?". Nesta época eu estava no Centro de Estudos, que é um prédio enorme, com vários pavimentos e quartos. Todos os numerários devem passar no Centro de Estudos e permanecer por 2 anos. Ou seja, havia a turma do primeiro ano e a turma do segundo ano. Eu simplesmente multipliquei o número de anos do Centro de Estudos no Brasil pelo número de quartos e dividi por 2. Daí perguntei para o Sub-Diretor uma estimativa do número de numerários no Brasil. Comparando estes dois números eu constatei que havia muito mais abandonos que permanências. Mas se a Obra veio de Deus, como poderia haver tantas desistências?

Uma outra coisa que me chamou atenção na época foi que grande parte dos numerários fazia pós-graduação e levava um número de anos extremamente alto para terminar. Mas caso estes numerários estivessem realmente santificando o trabalho, deveriam terminar as dissertações de mestrado e doutorado dentro dos prazos estabelecidos pela universidade. Mas o que eu via eram somente prazos intermináveis de execução. Esta talvez seja uma característica peculiar da Obra no Brasil, onde não se estimula que o numerário tenha de fato um crescimento profissional. Os numerários viviam entupidos de atividades apostólicas e encargos internos, muitos deles inúteis, somente para mantê-los ocupados (lembro-me por exemplo, dos intermináveis fins de semana de tantos numerários transcrevendo as pregações semanais do Pe. Xavier Ayala, então o chefe da Obra no Brasil: naturalmente, essas milhares de páginas digitadas nunca foram usadas para nada...). Estas atividades caracterizavam-se por serem extremamente burocráticas ou, como disse, por serem extremamente inúteis (tinham como objetivo manter os numerários ocupados e sem tempo para "infidelidades").

Em meu processo de degradação mental, a primeira pessoa que notou que havia algo errado se passando comigo não foi ninguém da Obra. A primeira pessoa a me dizer que eu estava com depressão foi o meu chefe no trabalho, o que me surpreendeu pois não havia aberto o coração para ele. Ou seja, não havia feito uma conversa fraterna onde abrimos todo o coração. As coisas que estavam me incomodando eu já havia falado com o sacerdote, diretor e sub-diretor. E ninguém havia notado esta depressão. Depois que eu fui falar com o sub-diretor sobre o diagnóstico dado por meu chefe, ele concordou que eu estava deprimido. Somente a partir deste ponto que fui medicado e entrei de licença médica, afastando-me do trabalho. Daí começaram a surgir as dúvidas. Como pessoas que deveriam dar conselhos e que cuidariam dos aspectos mais profundos de minha alma não conseguiam ver o que estava se passando comigo (ou seja, que eu estava doente da alma)? Seriam aqueles os diretores de almas? Aquelas pessoas tão "sensíveis" estavam dirigindo as almas para onde?

Após detectar aquela "sensibilidade" tão profunda da Família da Obra, tanto o Diretor como o Sacerdote confidenciaram-me que estar deprimido era uma situação comum na Obra e que ambos também haviam passado por aquilo que eu estava passando. Isto me chocou, pois pensava na época que as pessoas dedicadas a Deus eram isentas de problemas psicológicos. Mas o que mais me impressionou foi a seguinte pergunta: Se na Obra tudo tem remédio, por que estas pessoas necessitaram de ajuda psicológica? A Obra não deveria prover tudo? Ou seja, será que havia algo de estranho dentro da Obra?

Um sintoma que eu tinha era a insônia e coisa que eu mais queria de fazer era tentar dormir a qualquer hora do dia. Neste estado mental, aproveitaram a ocasião para que eu fosse a um curso anual gozar as férias com meus irmãos, coisa de que nunca gostei tanto. Aliás, sempre me diziam que o primeiro curso anual era fabuloso, o que não foi o meu caso. Para mim aquele meu último curso anual foi uma tortura, pois as aulas de filosofia estavam em grau mais avançado do que eu estava cursando. Eu simplesmente não entendia nada do que falavam. De tudo isto o que mais me marcou foi a primeira conversa com o Diretor, o famigerado L.E.A.M. Durante a nossa conversa eu notei um frasco de remédio em cima de sua mesa. Tratava-se também de um remédio para a cabeça. Daí veio a inquietante pergunta em minha cabeça: "Pode um cego guiar outro cego?".

Nos últimos dias do curso anual veio o Vigário geral da Obra no Brasil, para conversar com os numerários. Em nossa conversa este sacerdote falou-me que o que estava se passando comigo era uma coisa que muitos numerários enfrentavam, só que depois de muitos anos de Obra. O que estava se passando comigo era uma coisa que estava adiantada no tempo. Ou seja, estava enfrentando uma crise que todo numerário passa, só que mais cedo. De novo fiquei pensando comigo "Como podem ocorrer tais coisas numa Obra que se diz de Deus?".

Uma outra preocupação que eu detectei foi uma certa repulsa dos numerários mais jovens em relação aos centros de gente mais velha. A sensação de saber que alguém seria encaminhado para um centro de gente mais velha era algo repugnante. Aos poucos fui vendo que alguns centros possuíam pessoas com mais tempo de Obra, que mais pareciam zumbis, como no caso de uma destas pessoas, que eu havia conhecido há anos e, na época, era extremamente alegre, mas vi-o reduzido a um zumbi. Isto me deixou uma impressão negativa para as pessoas com mais tempo de Obra, bem como de Centro de pessoas mais velhas. Esta impressão negativa associei a extrema solidão que vive um numerário(a), pois devemos negar o relacionamento com a família de sangue; os relacionamentos com os amigos são desestimulados, pois caso os nossos amigos são sejam "apitáveis" devemos dedicar o nosso tempo a outros; não temos amizades internas dentro da Obra; nossas conversas íntimas com gente da Obra só fazemos com o Diretor etc. Estas condições externas favorecem o aparecimento dos comportamentos "zumbis" dentro da Obra.

Podemos resumir a necessidade da prudência no relacionamento através da seguinte frase: Deus me proteja dos meus amigos, que dos inimigos cuido eu!

Conhecendo o Dragão

O auto-ataque

Um artifício muito utilizado por Monsenhor Escrivá era o auto-ataque a si próprio, de forma a retirar o elemento surpresa do inimigo. É a mesma coisa quando uma mulher diz para a outra: "Nossa, como estou gorda e feia!!". E a resposta da outra vem em forma de elogio: "Que é isso! Não exagere, você está mais magra e sua pele cada vez mais bonita!".

Esta é uma forma de manipulação, onde o auto-sacríficio é utilizado em busca de um elogio. Quando me acuso de soberbo, retiro o elemento surpresa de alguém me acusar de soberbo. Quando me acuso de pecador, o inimigo me enxerga com mais piedade. Podemos ler todas as auto-acusações de Nosso Padre dessa maneira, ou seja, quando se acusava, queria ser reconhecido justamente pelo contrário. Monsenhor Escrivá gostava de falar: "Não valho nada, não tenho nada, não posso nada, não sou nada, não sei nada". No fundo queria ouvir: "Não Padre, o senhor vale tudo, tem tudo, pode tudo, é tudo, sabe tudo".

Não tem chefe

O Dragão é soberano e não quer prestar contas a ninguém, a não ser a si mesmo. O começo do sacerdócio de Nosso Padre é cheio de mistério, pois não sabemos quem foi o seu diretor. Afinal, ele não prestava contas a ninguém a não ser a ele mesmo. O máximo que poderia haver seriam confidentes esporádicos. Quando o Nosso Padre escreve no ponto nº 62 de Caminho que precisamos de Diretor, perguntamos: Quem foi o Diretor de Nosso Padre no começo de seu sacerdócio?

O Dragão não presta contas a ninguém, mas quer que todos prestem contas a ele. Desta forma criou uma série de regras controle para seus súditos, como por exemplo abrir as correspondências para saber o que se passava na cabeça de seus discípulos. O engraçado é que esta mesma regra é condenada no ponto nº 50 de Caminho.

A retórica

O Dragão tem uma enorme boca e daí resulta que ele sabe falar muito bem, apesar de sua cabeça ser pequena. Uma característica inegável de Nosso Padre era a sua grande capacidade retórica e seu magnetismo pessoal, o que atraía milhares de pessoas. Suas virtudes intelectuais não foram reconhecidas pelos seus companheiros de escola, como relatado no livro de Carandell.

Mas foi pela retórica e pelo magnetismo que o Nosso Padre atraiu as melhores cabeças para o Opus Dei. O alcance intelectual que Nosso Padre não atingiu, foi atingido por seus filhos e filhas. Desta forma a obra se fez e se faz em virtude destas grandes cabeças.

Muitas vezes uma instituição é o que é em função dos membros que a compõe. Por exemplo, os colégios ou Universidades tradicionais de ensino muitas vezes continuam com um bom prestígio somente em função da tradição. Muitas vezes estas instituições são muito concorridas para se entrar e ocorre uma seleção natural das melhores cabeças.

Mecanismos de controle

A vida como membro na Obra restringe-se ao controle de sua vida e não a santidade no meio do mundo. Ou seja, dá se uma importância muito grande para os itens que deveriam ser acessórios e não se prende à mensagem essencial. Desta forma a vida de um membro da Obra fica limitada ao controle de informação, controle dos sentimentos e afetos, controle dos meios econômicos, controle de qual centro vamos ir morar, controle do livro que podemos ler ou não etc.

Para realizar este controle a Obra utiliza-se das seguintes armas: a "essência do controle" e o "controle da essência".

A "essência do controle" é submeter um membro a constantes humilhações bem disfarçadas que são revestidas de uma roupagem pseudo ascética e mística, através da imposição de metas impossíveis na direção espiritual.

O que são metas impossíveis? São aquelas metas humanamente impossíveis de serem atingidas pelos seres humanos normais que atuam dentro das normas de dignidade e ética. No Brasil, dá-se uma importância muito alta para as campanhas econômicas, que são essencialmente a venda de livros da Editora Quadrante através de um produto denominado "Círculo de Leitura" e a contribuição mensal para a realização de obras coorporativas através da instituição denominada OSUC – Obras Sociais, Universitárias e Culturais.

Para ilustrar as metas impossíveis citemos estes exemplos: quando nos pedem no Círculo que devemos ter a meta de se fazer mais 4 "Círculos de Leitura", trata-se de uma meta impossível. Por quê? Por que já não temos mais para quem pedir, pois aquela tia bacana que já faz a assinatura do "Círculo de Leitura" não vai entrar na nova contabilização. Aquele nosso chefe desconfiado, que não sabe por que não casamos e vivemos com um bando de homens barbados, também não vale na nova contabilidade. Deveríamos achar outro "trouxa" e sair do Centro (mas que não é a Escola dos Bruxos de Hogwarts) em busca de novos assinantes. Uma pessoa normal não vai achar pelos métodos normais um novo assinante, ou seja, um "trouxa". Uma maneira que poderíamos fazer, seria bater de porta em porta anunciando uma revistinha.

Quando falamos de nosso defeito dominante na conversa fraterna com o Diretor estamos dando "o ouro ao bandido" e o "rato toma conta do queijo". O defeito dominante é algo que está aderido em nossa espinha dorsal do caráter que não há como superar. Nós nunca superaremos o defeito dominante. O nosso ponto fraco sempre será utilizado como uma meta inatingível. É como sentar numa carroça e colocar uma cenoura na frente de uma cavalo através de uma vara. O cavalo nunca vai encontrar a cenoura, pois é inatingível.

Uma outra meta impossível refere-se a conciliar o "bonus odor Christi" em nossa vida profissional com a mediocridade do que se entende por desprendimento, pobreza, humildade e outros conceitos. Cria-se uma verdadeira crise de consciência na cabeça de um numerário para que não se anime a comprar um livro técnico para melhorar a nossa formação, ou mesmo, para que não peça dinheiro para fazer fotocópia de um livro.

Gostaria de ilustrar, com minha experiência pessoal, as dificuldades de se conciliar a vida profissional com a vida de um numerário. Fui estudante de Engenharia na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo - USP e durante o 5 anos em que cursei não fui reprovado uma única vez, passando ileso em todas as matérias, devido ao meu esforço e persistência nos estudos. Há sujeitos que são iluminados e conseguem absorver tudo em aula, o que não foi o meu caso. Só entrei para a Obra após ter me formado engenheiro. Daí tentei conciliar a vida como engenheiro, estudante de pos-graduação e numerário. Fui morar num centro da Obra após 2 anos de adjunto em que tentei compatibilizar todas estas tarefas heróicas. No mesmo ano em que me mudei para um Centro da Obra, eu tirei as piores notas na Pós-Graduação ou seja dois conceitos C. Eram minhas últimas disciplinas e caso tivesse mais um C corria um grande risco de ser expulso da Pós Graduação. No ano seguinte, ao do término dos créditos da Pós-Graduação fiz o exame de Qualificação para a Obtenção do Título de Mestre. Neste exame eu fui reprovado pois o meu estudo estava medíocre. Esta ocorrência de reprovação não poderia constar de meu currículo e desta forma foi me dada uma segunda chance de apresentar uma nova qualificação da qual eu passei com muito custo.

Após ter saído da Obra, continuei as minhas idas ao psiquiatra e fui me recompondo aos poucos, conforme já relatado na Jornada do Herói. Consegui que houvesse uma prorrogação do prazo de minha Pós-Graduação e continuei, no meu ritmo, os meus estudos do mestrado. Após aproximadamente 3 anos, defendi o meu mestrado na Escola Politécnica da USP com a nota máxima e com muitos elogios. Este trabalho serviu na minha própria empresa em que trabalho e que resultou numa economia em torno de US$ 200.000 por mês. Fui convidado a participar da elaboração de um livro e escrevi um capítulo ao lado de vários professores titulares da Universidade de São Paulo. Este meu estudo de mestrado transformou-se em algo totalmente diferente do que havia originalmente proposto no exame de qualificação.

Diante destes acontecimentos e de outros testemunhos, sou levado à hipótese de que a Obra realmente esmaga a vida profissional de um numerário, através da imposição de metas impossíveis de serem cumpridas.

Já "controle da essência" faz uso da "essência do controle". Como as metas são impossíveis de serem atingidas, o numerário fica com a auto-estima bem baixa e se acha como pior ser humano da face da terra. Ou seja, o controle da essência é humilhar o numerário de forma que nunca se sinto auto-suficiente e seguro de si próprio. Desta forma o numerário não tem como se rebelar contra a autoridade e fica caracterizada uma relação de patrão-escravo. Este mecanismo acentua a culpa no membro, deixando-o impotente.

O "controle da essência" é um mecanismo tão poderoso que um ex-membro pode ainda se sentir culpado mesmo após vários anos de desligamento da Obra. O ex-membro reconhece que o fracasso no seu relacionamento com a Obra foi somente culpa sua, assumindo um papel de mártir. A Obra é imaculada e não possui nenhuma mancha. O fracasso do relacionamento foi devido a uma falta de fé, de impureza, de soberba etc. Este pensamento negativo vive martelando na cabeça de um ex-membro nas mais diversas situações, onde não tem controle do surgimento destes pensamentos. Estas "minhocas" continuam por anos e surgem num funeral de um conhecido, numa cerimônia de casamento, num filme que estamos assistindo etc. A Obra sabe que muitos continuam com uma auto-estima muito baixa e dispõe de uma alternativa para tentar recuperar um ex-membro. Esta alternativa é propor uma nova vocação de super-numerário ou cooperador. Uma outra alternativa para recuperação da auto-estima é fazer uma campanha econômica. Muitos caem pela segunda vez nesta "armadilha", pois são extremamente ingênuos e bondosos, mas não enxergam nenhuma malícia.

Um estágio da desprogramação mental do "controle da essência" a ser adotada é jogar toda a culpa na Obra. Esta alternativa é uma reação exagerada contra a imposição do sistema e num mecanismo de auto-preservação, o ex-membro enxerga tudo como uma conspiração do mal contra a sua pessoa. O problema deste tipo de abordagem é estacionar numa abordagem do tipo o "bem contra o mal" e os sentimentos como raiva e remorso são retro-alimentadores. Quanto mais raiva se sente da Obra, mais razões e mais argumentos se encontrão para sustentar esta posição. Entra-se em um círculo vicioso e não se consegue um progresso da mesma maneira que na alternativa anterior. O ex-membro vive de falar mal da Obra. O sujeito torna-se uma pessoa amarga em que a culpa é externa e a pessoa é a eterna vítima do sistema.

O estágio final da superação do "controle da essência" é reconhecer que ambas as partes possuem defeitos e não somente uma das partes. O ex-membro deve ter um auto-conhecimento suficiente para reconhecer que muitas vezes foi muito ingênuo, o que levou a cair na armadilha da vocação. O ex-membro deve ter a malícia o suficiente para enxergar os meios maquiavélicos que a Obra se utiliza para atingir os seus fins de expansão e crescimento. O sujeito é o eterno aprendiz que dispõe a entender as diversas lições que a vida apresenta, através do mecanismo de tentativa e erro. Vários são os lobos em pele de cordeiro, até mesmo aqueles que dizem os enviados de Deus. Mas Deus já enviou todos os profetas e o último foi crucificado. Não há mais o que reinventar a roda. Não há mais novos sacramentos como "apitar", fidelidade e oblação.

Estrada Unidirecional

Outra arma utilizada pelo Dragão é utilizar-se de uma ferramenta que denominamos a "estrada unidirecional". Na "estrada unidirecional", só há ida ou só há volta, ou seja, não pode haver ida e volta ao mesmo tempo. Por exemplo, todos se lembram da "sinceridade selvagem" na conversas com o Diretor. Era a maneira pela qual deveríamos falar tudo o que se passava em nossas cabeças. Mas a própria Obra e seus Diretores não são obrigados a utilizarem a "sinceridade selvagem" com os seus membros e colaboradores. A informação só passou numa direção; do numerário para o Diretor, do rapaz de São Rafael para o membro da Obra. A informação do outro lado nunca vem da forma de "sinceridade selvagem". Caso houvesse a "sinceridade selvagem" por parte dos membros da Obra, não haveria segredos. Citemos os exemplos: escondemos de nossos pais a nossa decisão de entrar na Obra; ficamos sabendo que nossas correspondências são abertas pelo Diretor do Centro somente após entrar na Obra; os novos membros só ficam sabendo do cilício e das disciplinas também somente após entrar para a Obra; as mulheres ficam sabendo que devem dormir na madeira somente após entrar na Obra etc. Esta via de direção única pode ser ilustrada também no costume de não guardarmos fotos de nossos familiares, que Monsenhor Escriva exigiu de seus membros, mas ele mesmo não foi exemplo deste costume, pois os centros da Obra vivem repletos de fotos da família do fundador. A estrada unidirecional serve para o controle do membro da Obra e através de temas como humildade, desprendimento, sacrifício etc. Através da estrada unidirecional, Monsenhor Escriva controlava mas não era controlado. E o mesmo se passa com a Obra. Na prática a Obra não é controlada por ninguém, somente por si mesma, pois o Papa não tem tempo (nem informações fidedignas...) para ficar controlando a Obra. A Obra exige de seus membros, mas seus membros não podem exigir nada dela.

Conhece-te a ti mesmo

Uma pergunta que me faço nesta fase em que investigo o que se passou comigo e o Opus Dei é: Não estou trocando uma obsessão por outra?

Para mim o Opus Dei foi um acontecimento profundo que me marcou e que eu sinto a necessidade de dar um sentido a tudo o que passou. Não dá para negar que nossa estadia na Obra mexeu no mais profundo de nosso ser e isto gera conseqüências futuras.

Quando investigo este passado devo ter o cuidado de não entrar numa atitude de hiper-reflexão exagerada que me paralise o presente e o futuro. No entanto para eu avançar mais no presente e no futuro devo me conhecer e isto engloba a nossa fase na Obra.

Por exemplo, Viktor Frankl foi o que foi, devido a sua história que englobou uma passagem num campo de concentração. E esta história ele mesmo teve que repetir várias vezes. Podemos até exagerar e dizer que Frankl foi o que foi, por ter passado num campo de concentração.

O mesmo pode-se aplicar a nós mesmos. Mesmo que neguemos este fato e criemos uma distância de tempo e espaço em relação à Obra, o nosso sentido da vida sofre uma certa perturbação do que passamos na Obra, devido à intensidade de nossa entrega. Creio que cedo ou tarde este questionamento existencial aparecerá em nossas vidas e pode voltar com uma carga negativa mais forte. Por exemplo, sempre que nos defrontamos com a morte de um ente querido, o nosso questionamento existencial vem à tona e junto pode vir pensamentos de culpa em relação a Deus. É o que chamamos "minhocas" ou "vermes" na cabeça.

Estas "minhocas", sutis ou não, podem paralisar a nossa vida em um determinado aspecto, pois não ousamos enfrentá-los e matá-los. Ou ainda, posso mudar a minha atitude quando estas "minhocas" aparecem. Por exemplo, quando uma "minhoca" aparece posso responder: Ah!!! A minhoca "chegou" para me dizer que posso ir para o inferno por ter sido infiel a minha vocação. Pois bem, dona minhoca, quem deve saber qual é a minha vocação sou eu e ninguém mais. Muito menos uma "minhoca"!

Quando escrevi a "A Jornada do Herói" fui movido por um desejo intenso de mudar o mundo, ou melhor, o mundo dos ex-membros da Obra. No entanto o mundo não mudou como eu queria, mas eu mudei. Quando nos dispomos a escrever um testemunho com o objetivo de oferecer algum tipo de ajuda, ocorre um desprendimento de nossa pessoa e o nosso coração é inundado por um sentimento nobre de doação.

O que ocorre é que na tentativa de oferecer ajuda através de algum tipo de ensinamento para alguém, nós acabamos aprendendo muito mais a lição a ser ensinada. Ou seja, o melhor método de aprendizado é ensinando. Ou ainda, quanto mais a gente ensina... mais aprende o que ensinou.

Quando estou me referindo a ensinar, trata-se não de estabelecer um dogma a ser seguido cegamente. Trata-se de mostrar um caminho, uma alternativa para a nossa vida após a Obra.

Creio que algo parecido se passou com a nossa amiga Elena Longo, autora de "Reconstrucción]". Numa de suas correspondências, ela relatou que deixou de ter pesadelos que a incomodavam há anos. Pois bem, Aquilina também se transformou e agora se encontra num estágio mais avançado.

Quando escrevemos um testemunho pode ocorrer uma transcendência. Estabelece-se, além da distância entre eu e o que está escrito numa folha de papel ou da tela do micro-computador, um distanciamento saudável entre eu e a Obra. Saímos dos nossos próprios pensamentos e descarregamos para fora todas as angústias, remorsos e desentendimentos que sofremos. Ler de novo estes depoimentos após tê-los escrito tem um efeito cicatrizador muito forte. É como se todos aqueles sentimentos negativos perdessem um pouco de sua força.

Cada um tem um ritmo próprio e não devemos forçar ninguém a adotar um modelo de conduta. Este ritmo de amadurecimento pessoal não é levado em conta na Obra, pois não é natural e sim forçado por uma entidade externa, que muitas vezes se limita aos aspectos externos.

Falei diversas vezes da terapia como um instrumento do auto-conhecimento. Um outro instrumento poderosíssimo é a leitura de livros, pois nos permite ter várias vivências em outros lugares e tempos. Aumenta a nossa capacidade de compreender o mundo. Acerca disto citemos o ponto 152, do livro "O Poder do Mito" de Joseph Campbell. "O primeiro ensinamento seria seguir as sugestões do próprio mito e do seu guru, o seu mestre, alguém que saiba das coisas. É como um atleta, na sua relação com o treinador. Este lhe diz como pôr em ação as suas próprias energias. Um bom treinador não diz a um corredor exatamente em que posição manter os braços ou coisas desse tipo. Ele o observa correr e depois o ajuda a corrigir sua maneira natural e própria de o fazer. Um bom professor está ali para identificar possibilidades e potencialidades, e em seguida dar conselhos, e não ordens. A ordem seria: "Este é o modo como eu faço, você deve fazer do mesmo modo". Alguns artistas ensinam dessa maneira. Mas, em qualquer caso, o professor deve exteriorizar o que pensa, dar algumas indicações gerais. Se não houver ninguém que o ajude nisso, você precisará fazer tudo a partir do zero; é como reinventar a roda.

Uma boa maneira de aprender é encontrar um livro que pareça tratar dos problemas em que você esteja envolvido, no momento. Isso certamente lhe dará algumas pistas. Em minha vida, aprendi muito lendo Thomas Mann e James Joyce, que aplicaram temas mitológicos básicos à interpretação dos problemas, questões, realizações e preocupações do jovem em estágio de crescimento, no mundo moderno. Você pode descobrir os seus próprios motivos de orientação mitológica nos livros de um bom romancista que, por sua vez, compreenda essas coisas.

A inscrição do Tempo de Delfos "Conhece-te a ti mesmo" mostra que não podemos fugir de nossos destinos. E fez parte de nosso destino encontrar e compreender a Obra.

E evolução mutante

Na vida estamos resolvendo todos os dias diferentes problemas que surgem da relação entre eu e o ambiente. O ambiente pode ser hostil a nossa sobrevivência e ser muito ameaçador.

Não adianta reclamar deste ambiente, deste sistema opressor, deste emprego massacrante, deste chefe imbecil, deste colega de trabalho falso. O mundo não muda. Quem deve mudar somos nós mesmos em frente ao mundo.

Neste ambiente hostil sobrevivem os mais aptos, ou ainda aqueles que desenvolveram as aptidões certas para enfrentar o mundo. Ou seja, os mutantes.

No filme do X-Men tem uma personagem chamada Mystique, que utiliza-se das mesmas armas de seus adversários mais poderosos. Ou seja, ela aprende de seus adversários novas armas do guerreiro. Nós aprendemos muito de Nosso Padre e dos costumes da Obra. Nós aprendemos muito em nossa vida fora da Obra. Não importa o ambiente em que nos encontremos, sempre podemos aprender algo de bom na nossa vida. Por mais preconceito eu tenha em relação a alguma pessoa, tem sempre algo de bom que posso enxergar para aprender.

Por mais mutação que soframos, sempre conservaremos a nossa essência de ser humano. Isto não quer dizer que somos falsos e egoístas. Isto quer dizer que estamos em constante evolução, assumindo diferentes arquétipos nos diferentes estágios de nossa vida nos mais diversos assuntos.

O Mártir

O martírio das mulheres

O arquétipo do mártir é o preferido das mulheres, enquanto o dos homens é o do guerreiro. As mulheres são socializadas para alimentar e servir, e também porque são elas que dão a luz. Muitas mulheres abandonam a vida profissional para se tornarem mães, ou seja, dedicam-se a uma vida de serviço à família.

O problema é ficar preso excessivamente preso a um arquétipo e assim impedir o desenvolvimento dos outros. Ou ainda, podemos ficar presos num determinado arquétipo e desenvolvê-lo de forma errônea.

Normalmente desenvolvemos aquilo que mais gostamos e deixamos para depois o que não gostamos. Como as mulheres se identificam mais com o arquétipo do mártir, podem estacionar a sua vida neste estágio.

Daí que muitas pessoas assumem toda a culpa no relacionamento com a Obra e preferem se calar, pois caso contrário estariam indo contra a vontade de Deus. Este comportamento é comum ocorrer, conforme observado nos testemunhos. Alguns sentimentos de culpa são tão radicais que acessar o site opuslibros ou ainda, escrever um testemunho são encarados como pecados mortais ou a perdição eterna da alma.

Outras mulheres passaram pelo estágio de mártires e tornaram-se guerreiras, travando lutas abertas frente a frente com o Dragão, como foi o caso de María del Carmen Tapia, María Angustias Moreno, Agustina López de los Mozos, Sharon Clasen etc. Estas mulheres foram muito mais corajosas que os homens e até hoje não vi um ex-membro masculino fazer o mesmo que estas fizeram. Puxa depois desta, não dá mais para falar que o homem que é o guerreiro e sim a mulher!!!

Outro arquétipo que as mulheres evitam, ou passam rapidamente é o do nômade. Sabendo disto lembrei-me de um adesivo que certas mulheres gostam de exibir no carro e que serve de conselho:

Good girls go to Heaven;
Bad girls go EVERYWHERE.

O mártir incompleto

Nos estágios iniciais, o mártir acredita que deve sofrer por que deve sofrer. Deve suportar a dor por alguém, por um grupo, por uma empresa ou mesmo pela família. O mártir acredita que sofre para a felicidade dos outros e que depois encontrará a sua felicidade.

O mártir tem a nobre atitude de ser responsável e zelar pelo bem dos outros. No entanto, por estar centrado nos outros acaba se esquecendo de si mesmo. Desta forma o mártir acaba se penalizando mais ainda, pois quer ser mártir. Neste ponto o mártir esquece-se justamente da parte final da frase: "Amar a Deus acima de todas as coisas e amar os outros como a si mesmo". Como a frase é comprida, o amar a si mesmo, é esquecido e desprezado.

O pior medo do mártir é ser acusado de egoísta. Por isso se desdobra em ajudar os outros. Mas se isto acaba levando a sua ruína pessoal, deixará de ajudar os outros. Deve-se então buscar um equilíbrio neste martírio.

Um erro comum quando o mártir se dispõe a ajudar é não entender o que o outro necessita, pois o mártir enxerga somente com os seus olhos e não com os olhos do necessitado. Acredita que ajudar só tem um jeito: o dele mesmo. Não enxerga que existem outros modos de ajudar.

A emoção dominante no mártir é não querer decepcionar os outros. Desta forma, prefere que as desgraças recaiam sobre si do que nos outros. Por não querer decepcionar os outros, muitas vezes se cala e não expõe os seus verdadeiros pensamentos. Um grande inimigo desta fase é o pensamento: "O que é que os outros vão pensar de mim?". Sentimos que vamos frustrar as expectativas de diversos grupos, como a própria Obra, a nossa família, os nossos amigos da faculdade ou do trabalho etc.

Os mártires não amadurecidos gostam de agradar ao chefe, aos companheiros, ao amante, a Deus etc. Pois no fundo estes mártires necessitam de amor e estima, pois são carentes.

Alguns mártires utilizam o próprio sacrifício como instrumento de manipulação dos outros. Por acreditarem que sofrem mais que os outros, acham que tem mais razão e mais privilégios que os outros.

Ou ainda, há os mártires que se sacrificam de modo a se sentir superiores aos outros. Fazem a visita aos pobres, aos enfermos, as obras de caridade de forma a se sentir superiores e diferentes aos outros. Com isto adquirem mais poder para pedir outras coisas.

Alguns mártires adotam este papel simplesmente para camuflar a covardia e ficam, ocultos nesta condição de bondade e abnegação.

Há os mártires masoquistas que se realizam fazendo o seu "show" mostrando o quanto sofreram para a sua platéia. Gostam de derramar lágrimas e repetem a mesma história várias vezes. Acreditam que mostrando o quanto sofreram aos outros lhes dá o direito de serem considerados heróis.

Há os mártires que acham mais virtuoso dar do que receber. Pois se recebem acreditam que devem retribuir. Na verdade por pensar que quem dá pode pedir tudo, pensa que todas as pessoas são assim e não gostam de receber para não serem manipuladas.

Para nos prevenirmos do falso martírio, lembremos as palavras do apóstolo São Paulo em Cor 13, 3: "Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria".

O Dragão sabe que existem mártires incompletos e que também muitas vezes são inocentes. Desta forma o Dragão aproveita-se destes indivíduos desprovidos de amor próprio e utiliza-os para conquistar novos reinos, construir novos castelos, capturar novos prisioneiros etc.

O martírio transformador

O mártir sabe que não há verdadeiro amor sem sacrifício. No entanto o verdadeiro martírio é aquele que é transformador.

O mártir é movido por um desejo de ajudar os outros e daí se doa a uma causa. Portanto não é masoquista.

Este desejo de ajudar os outros significa que nesta missão o próprio mártir poderá ser sacrificado. É um grito a favor da vida e contra o desespero dos que sofrem inutilmente.

O verdadeiro mártir assume toda a dor para si e não a transfere para os outros, pois não quer que os outros sofram.

O martírio transformador é quando a nossa atitude é compatível com a nossa identidade, daquilo que somos. E sabemos quem somos ao conhecermos aquilo por que morreríamos. Acredito que aquelas ex-numerárias que se expuseram como mártires, fizeram isto em nome da liberdade. Morreriam em nome da liberdade, pois amam a liberdade. Amam a liberdade a tal ponto que não se importam com os possíveis ataques.

O mártir transformador reconhece receber presentes dos outros. Atua numa atitude de ganhar-ganhar. Você ganha e eu ganho. Não há manipulação. Os professores aprendem com os alunos, os terapeutas aprendem com seus pacientes, os sacerdotes aprendem com os fiéis da paróquia, o escritor aprende com seus leitores, o músico aprende com seu público.

O verdadeiro mártir aprofunda o conhecimento de seus valores e compromissos com o trabalho e as outras pessoas. Ou seja, fortalece a si mesmo, através de um aprofundamento no auto-conhecimento.

O Mago

A tarefa do Mago

O papel do mago é chamar as coisas pelo nome, ou seja, dar nome às coisas. Neste estágio o mago deve desvendar o outro mago.

A metodologia empregada

O que propomos fazer é lançar mais luzes sobre o Opus Dei. Como pode uma Instituição provocar tantas discussões acaloradas a favor e contra? Como tornar compatíveis posições tão antagônicas? Como explicar as diferenças tão gritantes entre a teoria de um lado e a prática de outro? Como as pessoas podem ter visões tão diferentes sobre uma mesma instituição?

Proponho-me a mostrar um modelo/paradigma que explique a existência de contradições tão profundas.

Antes disto façamos perguntas mais profundas.

Onde está a verdade?
O que é a verdade?
Quando é que é verdadeira uma afirmação, uma proposição, uma declaração, uma teoria ou uma crença?

A resposta é: uma afirmação é verdadeira quando corresponde ou está em conformidade com os fatos.

Comecemos então pelos fatos. É fato que a Obra fez o mal e fez o bem para diversas pessoas.

Como mal podemos citar os inúmeros casos de membros da Obra com problemas mentais. Alguns comentam que tenha havido casos de suicídio dentro da Obra e que foram devidamente silenciados.

De maneira oposta, como bem, podemos citar os casos de pessoas que procuram levar uma vida reta baseados nos meios de formação cristã freqüentando os sacramentos proporcionados pela Igreja. Ou ainda podemos citar as obras coorporativas nos ambientes mais pobres.

Estes fatos são inegáveis. Não adianta querer negá-los. Os casos mal sucedidos na Obra podem ser silenciados, mas não esquecidos. Estes casos mal sucedidos existiram e produziram muita dor.

Ou seja, aqui temos razões suficientes tanto para defender como para atacar a Obra. Quem está com a razão ? Ou ainda, não estariam todos com a razão?

Surge então o problema. Como podem existir posições altamente contraditórias sobre a Obra?

Seria este problema apenas uma questão de fé? Ou seja, acredita-se ou não se acredita, independente da existência dos fatos.

Seria este problema apenas uma questão de gosto? Ou seja, gosta-se ou não se gosta.

Seria este problema apenas uma questão de contexto? Ou seja, dependendo do contexto em que nos situamos a Obra é do mal ou do bem. Popper foi um feroz crítico do mito do contexto, que define através da seguinte frase.

A existência de uma discussão racional e produtiva é impossível, a menos que os participantes partilhem um contexto comum de pressupostos básicos ou, pelo menos, tenham acordado em semelhante contexto em vista da discussão.

Para Popper esta é uma afirmação falsa e viciada. Popper defende que a lógica não apóia o mito do contexto ou a sua negação e que podemos aprender uns com os outros, resultado de confrontos de diferentes culturas, diferentes contextos.

Uma outra falsidade que Popper ataca é a indução. Em sua obra clássica "A lógica da pesquisa científica", Popper inicia revelando que independente de quantos cisnes brancos possamos observar, isso não justifica a conclusão de que todos os cisnes são brancos. Por mais que tenhamos ex-numerários contando os seus testemunhos com relatos absurdos praticados pelos dirigentes da Obra, não podemos concluir por indução que a Obra está errada.

Para eliminar o método indutivo, ao invés de citar a longa argumentação feita pelo próprio Popper, citemos a teoria do "peru indutivista" de Bertrand Russell, que é mais rápida e mais digerível para o nosso propósito. "Desde o primeiro dia, o tal peru observou que, na criação para onde fora levado, era-lhe dado alimento às nove horas da manhã. E, como bom indutivista, não se precipitou em tirar conclusões de suas observações, realizando outras ainda, em vasta gama de circunstâncias: às quartas feiras e sextas feiras, nos dias quentes e frios, chovendo e fazendo sol. Assim, a cada dia enriquecia a sua relação com uma proposição observativa nas condições mais díspares. Até que a sua consciência indutivista viu-se satisfeita e ele elaborou uma interferência indutiva como esta: "Dão-me sempre o alimento às nove da manhã". Infelizmente, porém, essa conclusão revelou-se incontestavelmente falsa na véspera de Natal, quando ao invés, de ser alimentado, foi esgoelado."

Ou seja, tem razão quem afirma que não podemos extrapolar uma indução, pois pode haver um relato de um país onde a Obra é diferente e não podemos conhecer todos os centros do mundo.

Devemos desta forma buscar um outro caminho que não seja a indução.

Desta forma devemos buscar uma resposta teórica para todas as estas indagações.

E por que necessitaríamos de uma teoria?

A resposta dada por Popper é a seguinte: "As teorias são importantes e indispensáveis porque, sem elas, não nos poderíamos orientar no mundo – não conseguiríamos viver. Até as nossas observações são interpretadas com a sua ajuda. O marxista vê a luta de classes literalmente em todo o lado. Por isso, acredita que só a não vê quem, deliberadamente, fecha os olhos. O freudiano vê em todo o lado repressão e sublimação. O adleriano vê como os sentimentos de inferioridade se encontram patentes em cada ação e em cada frase que se diz, seja ela de inferioridade ou de superioridade. Isto mostra bem como é enorme a nossa necessidade de teorias e como o seu poder é igualmente grande. É, pois, extremamente importante que não fiquemos viciados numa teoria específica: não nos devemos deixar apanhar numa prisão mental".

E o que significa compreender uma teoria? Significa compreendê-la como uma tentativa de resolver um determinado problema.

De acordo com Popper, há apenas uma maneira de aprender a compreender um problema que ainda não compreendemos – e essa maneira é tentar resolvê-lo e falhar. É como aprender a andar de bicicleta. No começo existe o problema de não sabermos andar de bicicleta. Após várias tentativas e falhas chegamos afinal a aprender a andar de bicicleta.

Para a resolução de um problema podemos adotar o método científico descrito por Popper e que consiste de quatro passos:

  1. selecionamos um problema qualquer – talvez um com que deparemos casualmente.
  2. Tentamos resolvê-lo, propondo uma teoria como solução tentativa.
  3. Através da discussão crítica de nossas teorias, o nosso conhecimento aumenta pela eliminação de alguns erros e, desta forma, aprendemos a compreender os nossos problemas e as nossas teorias e a necessidade de encontrar novas soluções.
  4. A discussão crítica, mesmo das nossas melhores teorias, revela sempre novos problemas.

Ou traduzindo estes quatro passos em quatro palavras: problemas – teorias – críticas – novos problemas.

A introdução das explicações anteriores servirá como um guia no desenvolvimento das idéias deste ensaio.

Estamos diante do enigma da esfinge que nos diz: "Decifra-me ou devoro-te". Ou respondemos a pergunta "o que é o Opus Dei?", ou somos devorados por uma extrema sensação de culpa que interferem em minha questão existencial.

O que é o Opus Dei?

De acordo com Popper, toda descoberta encerra um "elemento irracional" ou "uma intuição criadora". De modo similar, Einstein fala da busca daquelas leis universais com base nas quais é possível obter, por dedução pura, uma imagem do universo. Não há caminho lógico que leve a essas leis. Elas só podem ser alcançadas por intuição, alicerçada em algo assim como um amor intelectual aos objetos da experiência.

A teoria proposta é muito simples e também muito óbvia, mas que apresenta desdobramentos interessantes como veremos a seguir.

Esta teoria é tão simples que pode ser representada esquematicamente através de um desenho, ou ainda, um símbolo que mostramos a seguir: el serpente.

Através deste símbolo, a Obra é:

  • um fim em si mesma;
  • e que utiliza como meios: DEUS e a IGREJA CATÓLICA.

O desenho mostrado é o símbolo da Obra adulterado e que mostra bem o que significa a Obra. Esta "visão" eu tive num período em que estava tomando remédios para dormir e anti-depressivos, que me faziam suar e deixavam a boca seca. Não tive alucinações como as descritas pelos usuários de LSD. Eu somente a vi. Num belo dia de 2 de outubro de 1928, Monsenhor Escrivá viu a Obra. No dia 28 de dezembro de 1995, dia dos Santos Inocentes, eu também vi o que era a Obra fazendo um rabisco deste desenho. Monsenhor Escrivá não viu direito na primeira vez a Obra, pois a seção feminina não estava prevista. Ele só viu quando aquele bando de homens não sabia sequer coar um café, lavar a roupa, fazer comida etc. Para mim este desenho foi uma revelação, pois me reforçou a vontade de sair.

Como conheci esta definição no dia dos Santos Inocentes, também me fiz de inocente diante de Deus nas orações que tive neste último período de minha vida na Obra. E na condição de doente, tudo podia. E eu necessitava um caminho racional e lógico para minha saída.

Nunca me senti confortável para falar a respeito desta definição da Obra com ninguém, pois sempre tive a impressão de ser uma tremenda heresia. Por isso não comentei com mais ninguém e deixei este segredo só para mim.

Falar deste símbolo para mim é como disse Darwin a respeito de suas idéias da Origem das Espécies (que manteve em segredo por 20 anos): "É como confessar um crime".

A motivação básica para voltar a falar do Opus Dei é compreender melhor para mim mesmo e também uma tentativa de oferecer uma ajuda para aqueles que saíram. Pois se trata de uma questão com uma profunda carga existencial e que pode interferir de modo negativo em nossas vidas.

Então falemos desta definição e de seus desdobramentos abertamente, de forma a enxergar melhor este fenômeno chamado Opus Dei.

Este símbolo nada mais fala do que outros já falaram. A forma escolhida é que é diferente, pois resume num símbolo a essência do Opus Dei. Não precisamos desta forma elaborar nenhuma teoria extremamente árida e complicada para explicar o Opus Dei. Não precisamos elaborar um conjunto de cenários e sub-ramificações para falar de algo que afetou a nossa vida. A resposta é simples, no entanto os desdobramentos são mais complexos.

Este símbolo traz consigo algumas profundas mensagens. Na Obra aprendemos que este símbolo representa a cruz de Cristo no mundo. O círculo seria o mundo. Na verdade como Monsenhor Escrivá não enxergava bem, ele não viu que o círculo na verdade era uma serpente mordendo o seu próprio rabo. Ou seja, o fim em si mesma. Joseph Campbell, no livro o Poder do Mito, ponto 47, descreve o significado deste símbolo mitológico. "A serpente é o símbolo da vida desfazendo-se do passado e continuando a viver. O poder da vida leva a serpente a se desfazer de sua pele, exatamente como a lua se desfaz da própria sombra. A serpente se desfaz da pele para renascer, assim como a lua se desfaz da sombra para renascer. São símbolos equivalentes. Às vezes a serpente é representada como um círculo, comendo a sua própria cauda. É uma imagem da vida. A vida se desfaz de uma geração após a outra, para renascer. A serpente representa a energia e a consciência imortais, engajadas na esfera do tempo, constantemente atirando fora a morte e renascendo. Existe algo extremamente horrível na vida, quando você a encara desse modo. Com isso, a serpente carrega em si o sentido da fascinação e do terror da vida simultaneamente. Além disso, a serpente representa a função primária da vida, sobretudo comer. A vida consiste em comer outras criaturas. Você não pensa muito a respeito quando faz uma boa refeição, mas o que está fazendo é comer algo que há pouco estava vivo. E quando você olha para a beleza e vê os passarinhos saltitando daqui para ali... eles estão comendo coisas. Você vê as vacas pastando, elas estão comendo coisas. A serpente é um canal alimentar que se move, isso é tudo. Ela lhe dá aquela sensação primária de espanto, da vida em sua condição mais primitiva. Não há absolutamente o que discutir com esse animal. A vida vive de matar e comer a si mesma, rejeitando a morte e renascendo, como a lua. Este é um dos mistérios que aquelas formas simbólicas, paradoxais, tentam resolver."

Ou seja, o fim da Obra não está em Deus e sim a própria Obra. A Obra faz de tudo para a sua manutenção e a sua expansão, ou ainda, os fins justificam os meios.

Este conceito também está no escrito de A. Retegui, no começo do capítulo 7. "A instituição converte-se em um fim em si mesma".

Quando Dr.L viu a representação gráfica, ele me disse um velho ditado brasileiro: "Isto é literalmente: MATAR A COBRA E MOSTRAR O PAU".

Os meios utilizados pela Obra para atingir este fim é o próprio DEUS e a IGREJA CATÓLICA. Ou seja, Deus está a serviço da Obra e não a Obra está a serviço de Deus. Em nome de Deus justifica-se a Obra. A cruz de Cristo está sendo manipulada pela Obra para sustentar-se no mundo.

São estes meios que atraem pessoas como super-numerários(as), freqüentadores dos meios de formação, cooperadores, garotos e garotas de São Rafael etc.

Conseqüências proporcionadas pelo Modelo

Megalomania

No modelo proposto a figura da Obra (ou Monsenhor Escrivá) estaria acima de Deus e da Igreja Católica. Isto nos leva rapidamente a levantar a hipótese de que Monsenhor Escrivá sofria de megalomania, pois este senhor estaria acima de Deus.

Quando falamos de megalomania, podemos naturalmente sentir um certo riso de sarcasmo. Muitas vezes a palavra megalomania é utilizada para ridicularizações. Neste ponto em concreto não queremos fazer nenhuma ridicularização e nem falar mal ou contra Monsenhor Escrivá. Queremos apenas falar de um estado patológico da mente de uma pessoa. Quando falamos que tal pessoa sofre de determinada doença mental, não estamos denegrindo-a.

Um dos fatos que comprovam esta hipótese é o culto excessivo ao Nosso Padre, que começou já em vida. Alguns destes aspectos podem ser melhor encontrados no livro "Vida y Milagros de Monseñor Escrivá, Fundador Del Opus Dei", de Luis Carandell.

Na visita que Monsenhor Escrivá fez ao Brasil, foram recolhidas as unhas que ele cortava de forma a se tornarem relíquias. No Centro de Estudos do Brasil, existe um armário no 3º andar onde se guarda uma agenda onde Monsenhor Escrivá rabiscou rapidamente um pato. Os objetos que Monsenhor Escrivá tocava tornavam-se objeto de admiração e contemplação.

Os diversos testemunhos recolhidos nesta WEB demonstram esta mania de grandeza, onde seus objetos pessoais tornavam-se relíquias para serem guardadas para a posteridade.

Esta megalomania leva a uma estrutura piramidal da sociedade, onde a hierarquia é a seguinte:

Obra _

Deus _____

Igreja __________

Pessoas ________________

Dentro da Obra o culto ao Nosso Padre é, na prática, maior que o amor a Jesus Cristo. Quando conheci a Obra, a estampa de devoção a Monsenhor Escrivá tinha a denominação de "O Servo de Deus". Na prática, o que se observa é "O que se serve de Deus".

Ainda de acordo com o livro de Carandell, existe uma hipótese de que a doença da qual padeceu Monsenhor Escrivá no começo de sua vida foi meningite ou alguma enfermidade parecida. Sabe-se que devido a esta doença e seu risco, a mãe de Monsenhor Escrivá foi a Torreciudad solicitar a Virgem a cura de seu filho. Uma das possíveis causas do delírio é a meningite.

Em psiquiatria são estudadas as alterações do conteúdo do pensamento, onde se incluem os delírios, as obsessões, as fobias e as idéias supervalorizadas. Alguns ainda defendem que é mais correto afirmar que os delírios sejam um distúrbio no ato de formação dos juízos do que alterações do conteúdo do pensamento.

Ficaremos com o conceito de os delírios são juízos infundados que ocorrem como verdades incontestáveis e dos quais se retiram conseqüências vivenciais, sejam racionais, comportamentais ou emocionais, tal como seria de se esperar de um juízo corretamente fundamentado.

Os enfermos delirantes são capazes de discorrer com uma lógica impecável, porém conseqüente à falsidade que Ihes serve de ponto de partida. A premissa é falsa, mas o raciocínio que se desenvolve a partir desse princípio falso é perfeitamente coerente, portanto, o conteúdo do pensamento até que seria normal, embora a premissa primeiramente ajuizada seja falsa.

No caso em que discutimos a premissa falsa é a Obra, cuja definição mostramos anteriormente.

Jaspers apud PsiqWeb define o Delírio com sendo um juízo patologicamente falseado e que deve, obrigatoriamente, apresentar três características:

  1. Uma convicção subjetivamente irremovível e uma crença absolutamente inabalável com impossibilidade de sujeitar-se às influências de correções quaisquer, seja através da experiência ou da argumentação lógica;
  2. Um pensamento de conteúdo impenetrável e incompreensível psicologicamente para o indivíduo normal e;
  3. Uma representação vivencial sem conteúdo de realidade que não se reduz à análise dos acontecimentos vivenciais. Ou seja, impossibilidade de conteúdo (da realidade).

Aqui estamos numa discussão extremamente delicada. Não devemos medir o erro de uma idéia que desconfiamos ser delirante de acordo com as nossas próprias convicções religiosas ou filosóficas. No entanto isto não exclui a possibilidade de haja delírios justamente numa pessoa religiosa. O que queremos mostrar aqui é que o desdobramento de nossa definição inicial do que é a Obra, levou a hipótese de que Monsenhor Escrivá sofria de megalomania, ou delírio de grandeza. Ocorre aqui um grande ajuste desta hipótese com a definição inicial.

A convicção de Monsenhor Escrivá de ser um instrumento escolhido por Deus para fundar o Opus Dei era irremovível e inabalável. Nosso Padre havia "visto" a Obra, mas não sabemos como. Se entrássemos numa discussão com o próprio fundador de como seria possível ter esta visão em duas partes, ou seja, a fundação da seção masculina e após alguns anos a seção feminina, seríamos acusados de não entender o "espírito da Obra" ou ainda de não se ter fé em Deus. Por definição Deus falou ao "Nosso Padre" que queria a Obra realizada e esta revelação foi feita aos poucos e não de forma imediata. No entanto quando um membro da Obra alega um problema vocacional e pede para sair, argumenta-se que a revelação feita por Deus através dos diretores da Obra foi feita uma única vez e não há como discutir a vocação.

Para as pessoas sem fé, esta revelação da fundação da obra é totalmente impenetrável. Não há como argumentar contra. Portanto torna-se uma questão de fé: acredita-se ou não se acredita.

Entender o sistema operacional da Obra como um numerário(a) também é uma questão impenetrável, pois foi algo incompreensível a maioria dos ex-membros, conforme os diversos relatos. Quando não se entende algum aspecto da Obra, argumenta-se a falta de entendimento deste "espírito da Obra", ou seja, entra-se nesta estrada circular sem fim.

Recordemos alguns exemplos a seguir:

  • Devemos ser modelos de cristãos exemplares que se situam no topo da montanha, mas a nossa vida profissional fica tão sufocada pelos encargos internos que me torno um medíocre. Ao invés de atrair eu inspiro repulsa.
  • Não devemos ter uma mentalidade "clerical", desta forma temos a nossa conversa fraterna com um diretor e não com um sacerdote. Normalmente este diretor teve pouca ou nenhuma vivência externa, no mundo externo real, onde se trabalha oito horas por dia para o sustento da família. Glorifica-se a mentalidade laical, mas aqueles que vão para Roma são supermitificados dentro da Obra e muitos tornam-se sacerdotes. O sacerdócio na Obra é justamente para aqueles que não querem ser sacerdotes, pois estes seriam muito clericais. Mas no topo desta hierarquia não há um leigo, há um sacerdote e seu fundador foi um sacerdote, cuja mentalidade não é clerical
  • No apostolado devemos explicar que a Obra é uma prelazia pessoal. Daí nos perguntam, o que é uma prelazia pessoal. Respondemos que uma prelazia pessoal é uma coisa que só o Opus Dei é. De novo a resposta circular.
  • Devemos fazer um verdadeiro malabarismo mental para explicar que os centros, obras coorporativas, escolas, universidades são e não são do Opus Dei.
  • Os numerários e numerárias devem ser cristãos correntes, que possuem alguns hábitos estranhos e de difícil compreensão para os nossos amigos. Por exemplo, todas as férias vamos num sítio descansar através de estudos de filosofia, teologia e latim. Ou ainda, não casamos e moramos num centro com outras pessoas do mesmo sexo. Não podemos ir ao cinema, atividade de diversão da qual até os pobres se permitem quando os recursos permitem. Mesmo a freqüência a missa é feita num centro e não numa Igreja junto com outros fiéis. Não temos amizade com pessoas de outro sexo e assim tornamo-nos um dos bichos mais estranhos do planeta.
  • Os numerários e numerários fazem votos, que na verdade não são "votos" nem "botas", de obediência, pobreza e castidade. Isto por que votos são coisas de religiosos e os membros da Obra, não são religiosos, são leigos no meio do mundo, conforme "Escriva" ou "Escriba".
  • Deveríamos ter "carinho" com os outros membros e manifestar a nossa preocupação através das correções fraternas. No entanto não poderíamos ter a amizades dentro da Obra. Então como fazer uma correção fraterna, sem não poderia conhecer bem a pessoa? Desta forma as nossas preocupações com os outros membros deveriam se limitar somente aos aspectos externos e nada que fosse realmente substancial. A correção fraterna vira então um mecanismo de controle e não de ajuda.

Uma argumentação freqüente que se fazia quando eu não entendia o tal "espírito da Obra" era por eu ser "muito engenheiro". Achei esta argumentação convincente na época pois era "muito engenheiro" e meu diretor era da área de humanas. Mas hoje vejo que realmente que não há lógica alguma neste "espírito da Obra", pois mesmo pessoas da área de humanas não compreendem este árido terreno. E eu mesmo procurei ao longo dos anos ler livros de outras áreas do conhecimento como filosofia, psiquiatria, mitologia, literatura etc. Esta motivação de me profundar em outras áreas do conhecimento surgiu dentro da própria Obra e se não tivesse enfrentado o Dragão seria provavelmente o "típico engenheiro".

Quando este conteúdo é incompreensível e além disso, joga-se a culpa na pessoa que não entendeu, há uma grande probabilidade de ocorrer um desajuste mental. Isto explica os vários casos de desajustes mentais em membros da Obra.

É essencial salientar que o delírio diz respeito ao próprio relacionamento entre o paciente e as outras pessoas. No delírio esta relação se deforma grotescamente e o doente se exclui da comunidade. Ele experimenta sua convicção doentia sem se preocupar, de forma alguma, com outros pontos de vista, interesses e juízos. O paciente delirante quase exclui o outro, ou quase se exclui dos outros, ele não sente necessidade de comprovar sua convicção diante da realidade, não se preocupa em fundamentá-la nem para si, nem para os demais.

Desta maneira é compreensível entender o comportamento autoritário de Nosso Padre quando em situações de confronto acerca da Obra.

A Igreja como meio

Tudo o que nos atraiu à Obra foi a Cruz de Cristo, que realizou o chamado universal à santidade dos cristãos correntes. Esta belíssima mensagem, descrita de maneira genial em Caminho, Amigos de Deus, É Cristo que passa etc é realmente revolucionária. Quando ouvimos os defensores da Obra, reconhecemos uma parte do que nós fomos um dia, pois acreditamos com todo o coração naquelas belas mensagens. Ainda hoje, se pego um livro de Monsenhor Escriva e leio, irei reconhecer que amei e ainda amo profundamente estas mensagens.

No entanto, falar e escrever é uma coisa. Fazer e viver são coisas completamente diferentes. Posso em meus próprios testemunhos, falar na busca de um sentido na vida. No entanto colocar em prática efetivamente é outra coisa completamente diferente e trabalhosa.

De maneira incompreensível o espírito da Obra que todo numerário(a) deve viver não se encontra plenamente disponível em forma de um registro escrito. Sempre deve-se recorrer às indicações em conversas com o Diretor e que através de sua "sabedoria" sempre sabe a resposta de todas as questões possíveis e imagináveis, que dificilmente caberiam num manual.

Como já dissemos a Obra é totalizante. Mas nós já estamos fora da Obra e podemos viver a santidade no meio do mundo à nossa maneira personalizada. Podemos fragmentar os aspectos realmente nobres existentes no Opus Dei e colocá-los em prática. Certamente muitos de nós continuamos a trabalhar com mesma seriedade profissional, empenho, ética etc que tínhamos quando membros. Desta forma estamos fazendo o verdadeiro Opus Dei, revelado por Deus para um megalomaníaco. Este megalomaníaco resolveu colocar alguns itens opcionais a mais no Opus Dei, que perverteram totalmente a originalidade da mensagem inicial. Opcionais como as mulheres dormirem na madeira, controle de gastos de dinheiro, controle de informação, controle emotivo etc. É difícil encontrar estas mensagens "opcionais" por escrito em documentos da Obra. Eu nunca as vi por escrito. Ou seja, o que deveria ser essencial vira acessório e o que é acessório vira essencial. E na prática o que temos é o controle.

Um outro desdobramento deste modelo é constatar que a Igreja católica está sendo manipulada pela Obra para atingir o seu fim. Em relação à doutrina da Igreja Católica, não me considero conhecedor para discutir com profundidade este tema. Sei que haverá argumentos contrários, alegando que a definição deste modelo é falha por ir contra a infabilidade da Igreja.

Resta saber, como a doutrina da Igreja Católica pode ou não ser aplicada diante deste modelo do que é a Obra. Um dogma pode derrubar totalmente este modelo. E caso a única arma do inimigo seja a ortodoxia, teremos a morte do conhecimento, uma vez que o aumento do conhecimento depende inteiramente da existência da discordância.

Neste campo outros desdobramentos serão maiores e com conseqüências mais profundas. Por exemplo, a Igreja já proclamou Josemaria Escrivá como Santo. Isto pode mostrar um caráter universal da Igreja, mostrando que até um megalomaníaco pode ir para o céu. Podemos considerar que sua vida foi realmente heróica pois lutou contra uma doença como a megalomania e ainda realizou vários feitos que agradaram a Deus.

Um outro desdobramento interessante é que as recentes discussões abertas em relação ao Opus Dei possibilitaram um conhecimento mais profundo desta instituição. Este sistema fechado e impenetrável do Opus Dei está sendo cada vez mais investigado e esclarecido, graças a revolução proporcionada pela Internet ao disponibilizar as informações até então ocultas. A Internet abriu uma grande fenda por onde estão passando várias informações rapidamente por todas as partes do mundo. A partir dos diversos testemunhos das vítimas do Opus Dei que estão circulando na Internet, chegará um momento em que a Igreja Católica deverá se manifestar sobre o papel da Obra na Igreja. Caso não o faça, poderá ser acusada de ser omissa em relação aos seus fiéis. O pecado de omissão já foi atribuída à Igreja em outras acontecimentos como o holocausto da 2ª Guerra Mundial. Ou ainda, a Igreja no futuro deverá dar explicações de sua posição duvidosa em relação à Obra da mesma forma que teve dar explicações em relação a acontecimentos traumáticos envolvendo Galileu, a Inquisição, as Cruzadas etc.

A Meia Verdade

Como o próprio fundador falou: O que pode ser pior que uma Grande Mentira? Uma Grande Meia Verdade.

O trabalho de um mágico consiste em desviar a atenção do público para uma coisa enquanto faz outra. Neste ponto podemos dizer que o Nosso Padre foi genial. Não podemos negar a sua astúcia e inteligência. A atenção do grande público recai sobre as coisas relativas a DEUS e conseqüentemente da Igreja Católica. Ou seja, a freqüência aos sacramentos, aos meios de formação, como o Círculo, as meditações, os recolhimentos, os retiros, as obras corporativas etc. Mas todos estes meios tem como meta final a sustentação da própria Obra. O fim destes meios não é Deus e sim a própria Obra. Por isso o grande público é atraído e aplaude estas iniciativas, pois pensam que o fim delas é Deus. Este grande público são as pessoas defensoras da Obra, pois pensam que ela faz um bem.

Por outro lado, existem os assistentes do Grande Mágico, que conhecem mais de perto estes truques. Estes são os numerários (as) que fazem com que o espetáculo aconteça. Alguns assistentes gostam do que fazem pois tem grande admiração pelo Grande Mágico. Outros assistentes acabam se cansando das mesmas mágicas de sempre e pedem para ir embora. O Grande Mágico fica irado com estes assistentes pois eles podem revelar alguns de seus truques. Outros assistentes podem, por um descuido qualquer, terem se atrapalhados no show do Grande Mágico. Daí a mágica saiu mal feita e a conseqüência é a expulsão.

Fim em si mesma

Foi este fim em si mesma que nos incomodou acerca da Obra. A prioridade não era Deus ou as pessoas, a prioridade foi e sempre será a expansão da própria Obra. Foi isso que nos incomodou e que muitos não enxergam até hoje.

As seitas também se caracterizam por serem um fim em si mesma. A sedução dos membros começa com promessas nobres que estão impressas nos corações das pessoas, como por exemplo, a busca da santidade nas tarefas cotidianas, o estudo aprofundado da doutrina católica, a prática das obras de caridade etc. No entanto é vendida a idéia de que a única forma de realização plena destas belas mensagens é através da Obra. Caso uma pessoa demonstre a vontade de realizar estas mesmas mensagens fora da Obra, será contra-argumentado que a Obra é mais eficaz para se atingir este fim.

Este fim em si mesma da Obra, demonstra que a hierarquia é sempre a Obra e não o membro da Obra. Se é para o bem da Obra que determinado membro rebelde permaneça na Obra, fará se de tudo para que ele permaneça o maior período de tempo possível, mesmo que isto resulte numa extrema debilitação deste membro. Por exemplo, caso um membro tenha um emprego externo e traga dinheiro, a Obra fará o máximo esforço de perpetuar esta condição. Caso este membro rebelde gere mais gastos do que entradas de dinheiro, então inexplicavelmente aquela vocação deixa de existir e ocorre a demissão.

A mensagem inicial de santidade no meio do mundo, que foi o que nos atraiu devido a sua nobreza, deixa de ser a essência da Obra para o membro. E o que era acessório, vira a essência. O acessório da Obra é o controle sobre os membros, exercido através do controle de gastos econômicos, controle dos sentimentos e afetos, controle do local e da cidade onde vai morar, controle do que vai se estudar, controle do que vai se assistir na TV. Estes itens acessórios são tão numerosos e tão sufocantes que a mensagem inicial é diluída e esquecida.

Este controle exercido pelo sistema tem como objetivo promover e sustentar a expansão do sistema. Esta expansão tem alguns critérios mínimos de seleção, no entanto não questiona de modo prudente a vocação, pois existe uma pressão proselitista muito forte. Portanto não importa mais se a pessoa tem ou não vocação. O que importa é aumentar o número de sócios e explorá-los até quando agüentarem a suportar o sistema, de modo que contribua com o seu salário ou a sua mão de obra nos encargos internos.

A imagem da serpente mordendo o seu próprio rabo reflete bem este sistema operacional, pois a serpente sustenta-se através do consumo do seu próprio corpo para o seu crescimento. A Obra explora o seu próprio membro para o seu crescimento e expansão, não se importando com a saúde física ou mental do seu membro. Tudo o que for feito para a expansão da Obra é justificável, doa quem doer. Tudo o que for feito para diminuir a Obra deverá ser exterminado e todos os meios serão justificados para se travar esta guerra santa.

Afogar o Mal com abundância do Bem

Esta frase genial de Nosso Padre faz o seu devido sentido quando entendemos por mal a própria Obra. Como há uma abundância do bem exposta através das obras coorporativas, das aulas de doutrina, da freqüência aos sacramentos e outros mais, todo o mal da Obra fica envolto por uma grande nuvem de fumaça que não permite que haja uma clara distinção do que seja realmente a Obra. Trata-se de mais um truque do grande mágico.

É a mesma coisa quando vemos uma mulher/homem bonita(o). Não enxergamos os defeitos desta pessoa. Apesar de saber que possam existir defeitos, não temos um fácil acesso. Ficamos ofuscados pela beleza desta criatura e esquecemos que possa haver uma imperfeição ou um mal.

A Obra é irreformável

De acordo com nossa definição, o fim em si mesma, traz consigo o programa mestre do seu sistema operacional da Obra. Este programa mestre está aderido à coluna vertebral da Obra, que qualquer tentativa de modificação irá rompê-lo. Não há como mudar a Obra. Ou ainda, se mudar, não vai ser a Obra que conhecemos.

Não se trata de uma questão de contexto histórico, onde podemos desculpar a Obra por ter sido montada na época de Franco. A essência da Obra mostrada na definição não dá abertura para que a Obra atue de um jeito diferente.

Este programa mestre da Obra não permite mudanças, pois Nosso Padre já sabia de tudo. Qualquer tentativa de mudança será vista como traição aos ensinamentos do fundador.

Não podemos esperar uma reforma da Obra motivada pelos membros, ou seja, algo de dentro. Se ocorrer uma reforma da Obra, o responsável por isso será a própria Igreja. A reforma será feita de cima para baixo e não de baixo para cima.

Podemos lançar várias perguntas:

  • Se a reforma virá de cima para baixo, então o protagonista deste acontecimento será o Papa?
  • Dentro do organograma da Igreja, existe algum órgão que possa realizar uma "auditoria" da Obra? A Obra foi montada de modo a só dar satisfação ao Papa e mais ninguém. É um sistema fechado que não permite a interferência de outras instituições da Igreja.
  • O Papa tem tempo (e interesse...) de ficar lidando com esta questão ou tem mais o que fazer?
  • O Papa tem consciência dos problemas causados pela Obra aos seus membros?
  • O Papa sabe o que está acontecendo com a Obra, ou as informações são filtradas pelos diversos "espiões" da Obra infiltrados nos diversos níveis hierárquicos da Igreja?
  • O Papa tem como nomear um grupo neutro para investigar a Obra? Ou ainda, o Papa só deve saber o que Prelado da Obra conta para Ele e dos Congressos que participa da UNIV.

Após realizar estas perguntas e utilizando-se da prudência da serpente temos que questionar se a Igreja seria capaz de amputar um membro, que lhe traz milhares de fiéis por ano nos Congressos da UNIV, milhares de fiéis nas cerimônias de beatificação e canonização, possíveis contribuições monetárias para a própria Igreja, propagandas apostólicas das obras coorporativas etc. E daí vem as perguntas fatais:

  • Seria a Igreja capaz de punir um dos seus filhos mais poderosos, que lhe traz mais prestígio, poder e dinheiro?
  • A Igreja teria a mesma fé que Abraão teve quando Deus pediu o sacrifício de Isaac?
  • A Igreja não estaria gostando de sentir de novo um poder que nunca mais teve na sociedade?
  • Os Bispos não estariam sendo silenciados pelo Exército da Obra, que estão infiltrados nas várias hierarquias do Vaticano?

Nova interpretação de Monsenhor Escrivá

Através deste modelo e seus desdobramentos podemos interpretar de maneira não convencional a vida de Monsenhor Escrivá.

Por exemplo, Monsenhor Escrivá dizia de sua vocação sacerdotal: "Aquilo não era o que Deus me pedia, e eu me apercebia disso: não queria ser sacerdote para ser sacerdote". "Por que me lancei por este caminho?". "Por que pensei que assim seria mais fácil cumprir uma vontade de Deus que não conhecia... Eu a vislumbrava, mas não sabia o que era, e não o soube até 1928. E eu, meio cego, sempre esperando o porquê: por que me faço sacerdote? O Senhor quer alguma coisa, o que é? E, tomando as palavras do cego de Jericó, repetia: Domine, ut videam! Ut sit! Ut sit! Que seja isso que Tu queres e que eu ignoro. Eu não sabia o que Deus queria de mim, mas era – evidentemente – uma eleição".

Somente após 11 anos de espera é que Deus se manifestou e pediu a Obra a Monsenhor Escrivá. E assim tudo ficou mais claro.

Mas neste tempo pré-fundacional, o que se passava na cabeça de Monsenhor Escrivá? E por que o sacerdócio?

Seria a escolha deste sacerdócio motivada por um certo prestígio social naquela época? Ou seja, uma escolha feita em cima da profissão da "moda".

Seria esta nova mensagem revolucionária de que o trabalho humano pode e deve ser orientada para Deus, apenas uma desculpa do próprio Fundador para não se afastar do mundo e continuar a trabalhar.

Vejamos os acontecimentos. Em 1918, Monsenhor Escrivá iniciou os seus estudos eclesiásticos em Logronho e dois anos depois, mudou-se para o Seminário de Saragoça. Em 1923, iniciou um curso de Direito na Universidade de Saragoça. Ou seja, no meio de seus estudos eclesiásticos. Em 28 de março de 1925 ordena-se sacerdote e em seguida termina seu curso de direito. Dois anos mais tarde, com licença do Arcebispo, muda-se para Madrid, pois estava interessado em fazer um doutoramento em Direito Civil na Universidade Central de Madrid.

Observando estes acontecimentos, pode-se verificar uma preocupação de Monsenhor Escrivá de compatibilizar o sacerdócio com uma atividade de leigo. Seria esta necessidade de compatibilizar o seu sacerdócio com um título acadêmico nada mais que uma idéia primitiva de sua mensagem de santidade no meio do mundo?

Monsenhor Escrivá dizia: "na fundação do Opus Dei, foi Deus quem fez tudo". Poderíamos complementar esta restrição mental: "Deus fez tudo PARA MIM".

A dimensão sobrenatural do trabalho nada mais seria que uma maneira de satisfazer o desejo de Monsenhor Escrivá permanecer como mundano e sacerdote.

Monsenhor Escrivá se auto intitulava como "um fundador sem fundamento". Pois bem, acreditamos nesta afirmação. Monsenhor Escrivá fundou algo sem fundamento algum, pois as conseqüências lógicas e vivenciais são impossíveis para seus membros e também foram para sua vida.

Uma hipótese interessante é tratar a Obra como um sentido na vida de Monsenhor Escrivá. Ou ainda, foi o "remédio" da alma de uma pessoa com delírio de grandeza (megalomania). Conforme Jaspers "uma crença delirante salva o indivíduo de situações insuportáveis, representando a libertação de uma realidade e proporcionando satisfação específica, em que talvez se baseie o fato de sua fixação". Acredita-se que nos anos anteriores a fundação da Obra, Monsenhor Escrivá padeceu de vários conflitos existenciais que provocavam várias dores na alma. Somente após a fundação da Obra, houve o alívio desta dor e que Monsenhor Escrivá descrevia como o "gáudium cum pace".

Este "remédio" pode ter sido eficaz para a vida de Monsenhor Escrivá, no entanto a sua fórmula não poderia ter sido aplicada a todos os membros da Obra. Pois o sentido da vida é algo único para cada indivíduo, não podendo ser generalizado.

Na obra de Frankl diz-se muito na busca do sentido da vida. Este sentido é algo pessoal e não posso com este sentido afetar de modo negativo a vida de outras pessoas. Em caso contrário, um "serial killer" com um sentido da vida definido seria uma pessoa normal. Ou ainda, não haveria problema algum o fato dos funcionários de um campo de concentração terem como sentido da vida o extermínio da vida de outras pessoas. Este sentido da vida deve estar inserido numa dimensão ética, caso contrário não é sentido da vida.

O que é bom para mim pode não ser bom para você. O meu sentido da vida muito provavelmente não é o seu sentido da vida. O máximo que posso fazer é falar do meu sentido da vida para alguém e mostrar os prós e os contras. Este alguém pode aceitar ou rejeitar estas idéias; capturar ou ainda aperfeiçoar estas idéias conforme as suas próprias convicções.

Universalidade do modelo

O nosso modelo proposto permite compreender as perspectivas dos membros e ex-membros do Opus Dei.

Podemos compreender a manifestações a favor da Obra, que um dia nós também defendemos, pois enxergávamos somente as manifestações externas de piedade. Em resumo, só enxergávamos a Cruz de Cristo do nosso modelo. Muitos vão continuar a só enxergar a Cruz de Cristo na Obra, pois estariam limitados aos arquétipos do Inocente e do Mártir.

Podemos compreender a manifestações contra, pois muitos só puderam enxergar o mal provocado pela Obra, ou seja, as doenças mentais, os comportamentos estranhos, a falta de afetividade etc. Todo este mal foi originado pelo fim em si mesma. Em resumo só enxergávamos a serpente comendo o seu próprio rabo. Muitos vão continuar a só enxergar o fim em si mesma, pois estariam limitados aos arquétipos do Órfão, que sofreu uma queda ao constatar que nem tudo é perfeito na Obra; do nômade que fugiu em busca de outros sentidos, mas não compreendeu plenamente a falha do modelo anterior; do guerreiro, que empreendeu várias lutas com o Dragão e acabou se ferindo.

Quando nos tornamos magos compreendemos a existência de posições tão contraditórias acerca da Obra. Enxergamos o símbolo completo, ou seja, a serpente comendo o seu próprio rabo e a Cruz de Cristo juntas.

O modelo oficial da Obra é incapaz de compreender a existência dos ex-membros. Por isso, cabe decretar a "morte civil" para estas pessoas, pois são consideradas como "aberrações mutantes" do sistema Opus Dei. Para a Obra cabe somente fornecer resposta superficiais, sem a devida profundidade, como aquelas que já conhecemos: "Ficou louco", "Perdeu a fé", "Pura soberba", "Casou-se com uma mulher gorda e feia" etc. Não há maneira de compreender a existência de um ex-membro conforme o modelo oficial das Obra, pois na Obra tudo é perfeito. Uma saída que o modelo oficial da Obra explica a nossa ocorrência é relatar que, como qualquer outra instituição, há os erros humanos. Ora se a Obra admite que há erros, por que não os corrige de forma efetiva? Por que não desembolsa primeiro o seu "sagrado" dinheiro para tratar mentalmente (ou de qualquer outra enfermidade como o câncer) os seus membros antes de expulsá-los?

Em nosso modelo proposto cabem as posições aparentemente contraditórias, pois trata-se de um novo paradigma que permite dar um "salto" e olhar com outros olhos os argumento a favor e contra a Obra.

Este modelo alternativo procurou fugir de fornecer uma resposta superficial do tipo: "O Opus Dei é uma merda"; "O Opus Dei é coisa de loucos"; "O Opus Dei é uma coisa muito radical". Estas respostas têm o seu fundo de verdade e podem ser utilizadas quando nos reencontramos com pessoas que nos conheceram na época que éramos ferozes defensores da Obra. São aquelas respostas rápidas, utilizadas quando o tempo é escasso e não merecem entrar nos detalhes.

No entanto sabemos que este tipo de resposta não nos satisfaz em nosso íntimo mais profundo. Pois um dia acreditamos e vivemos o Opus Dei às 24 horas por dia e por 365 dias do ano. Num determinado período de nossa vida, a nossa personalidade foi de tal forma moldada que não dá para negar que a Obra foi algo muito profundo para nós.

Afinal a culpa foi minha ou da Obra? Mas será que precisamos achar os culpados?

Caríssimos(a), a culpa foi MINHA E DA OBRA. Quando a culpa é só minha e não da Obra, faço-me de pobre vítima, de coitado, de cachorro sem dono. Quando a culpa é só da Obra e não minha, faço-me amargo, com ódio, raiva e incompreensão. Quando compreendo os dois lados, posso me libertar das amarras e partir para uma nova vida. A minha identidade se fortaleceu.

O óbvio não é tão óbvio

A resposta proporcionada pelo nosso modelo teórico procura tornar as coisas mais claras, deixando as coisas em seu devido lugar. No momento em que conhecemos o "modus operandi" da Obra, saberemos colocar cada coisa em seu devido lugar.

A partir daqui cada um pode descrever aqueles aspectos mais contraditórios dentro da Obra a partir deste modelo. Os desdobramentos serão então infinitos, pois são muitas as histórias pessoais. Este modelo procura sistematizar o que em nossa existência constatamos: a teoria de um lado e a prática de outro.

O óbvio só fica óbvio depois que é mostrado. No dia a dia, caímos em várias "armadilhas" da vida e depois ficamos surpresos pela nossa ingenuidade de termos sidos enganados. Isto porque no dia a dia, o óbvio não é tão óbvio.

O óbvio é mais claro para as coisas relativas aos outros. Quando se trata de nossas coisas, a visão do óbvio se turva. É mais fácil dar conselho do que receber conselho. Quando estou de frente ouvindo uma pessoa, é mais fácil localizar onde estão as contradições, os pontos que precisam ser melhorados, os pontos fortes de cada um etc. É só olhar ao nosso lado para constatar gente que saber cuidar da vida dos outros, mas não sabe cuidar de sua própria vida. Por exemplo, um gerente de banco pode saber quais são as melhores aplicações bancárias e disponibilizá-las para seus clientes. No entanto pode estar afundado em dívidas porque não soube cuidar de seu próprio dinheiro. Um médico pode cuidar de diversos pacientes, mas pode facilmente se automedicar de forma errônea. Um consultor imobiliário pode saber de diversas opções interessantes de casas e apartamentos. No entanto pode estar numa moradia muito ruim, pagando um aluguel caro pois não soube aproveitar as oportunidades que estavam a sua disposição. Pensamos que sabemos, mas na prática não sabemos.

E o que cabe a nós?

O "Opus Night"

Sempre é mais fácil esperando apareça uma solução "mágica" do que nós próprios sermos os protagonistas desta história. As considerações feitas aqui não servem para fazer exercícios de adivinhação do futuro da Obra. O futuro da Obra depende de cada um de nós.

É muito cômodo limitar-se a esperar que um dia a Igreja realize uma "auditoria" em cima da Obra e faça as devidas reformas. Quem fica neste estágio é Inocente. Alguém, ou algo, ou um "messias" irá resolver os problemas da Obra para mim.

Para que as altas autoridades da Igreja se sensibilizem, muitos ficarão sentados esperando que ocorra um Congresso Mundial de Ex-Membros do Opus Dei promovido por grandes heróis combatentes. Isto é, ALGUÉM vai fazer por mim um grupo de discussão sobre a Obra. Se der tempo e tiver dinheiro, eu vou ao Congresso, caso contrário ALGUÉM irá por mim para promover a discussão, pois afinal somos muitos.

Muitos vão esperar que o Opuslibros (e em nível nacional, o opusdob) continue a relatar os diversos testemunhos de pessoas de diferentes países. Vão se limitar ao que os outros dizem, com a mesma curiosidade mórbida dos leitores de revistas que tratam as celebridades do meio artístico.

Muitos vão esperar que surja uma instituição que acolha os ex-membros da Obra e dê os suportes financeiro, espiritual, psiquiátrico e afetivo. Chamaremos, jocosamente, esta futura instituição de "Opus Night" a ser fundado por um iluminado ex-membro da Obra. A associação do "Opus Night" terá os seguintes benefícios para seus sócios:

  • convênios com médicos psiquiatras e descontos em remédios anti-depressivos;
  • oferecimento de alimentação e pousadia com incríveis descontos;
  • projeção de filmes oficiais da Obra para discussão e identificação dos erros ocultos;
  • projeção de filmes não oficiais da Obra, pois ALGUÉM irá fazer filmes contando a vida dos ex-membros;
  • colocação profissional de ex-membros recentes em empresas ou indicações profissionais de ex-membros veteranos. Pré-requisitos: saber tirar fotocópias, saber grampear folhas de papel, saber utilizar ao menos editor de texto em micro-computador, saber atender ao telefone (Lembram-se? Pergunta: Aí é do Opus Dei? Resposta: não, aqui é um centro universitário com fins sociais e não lucrativos, com os devidos registros nos órgãos competentes do governo etc etc etc).
  • descontos para participação nos Congressos de Ex-Membros do Opus Dei;
  • descontos nos livros proibidos que ainda estiverem em circulação;
  • promoção de retiros, cursos anuais e convivências em sítios similares aos da Obra, decorados por arquitetos(as) ex-membros. Nestes sítios não vai haver fotos de Nosso Padre, Dom Javier, Dom Álvaro, Tia Carmen, a "Avó" etc.
  • circulação de álbuns de fotografias antigas com os ex-membros recompostos digitalmente em equipamentos de última geração;
  • opção de sigilo absoluto caso solicitado;
  • reuniões semanais com a declaração de depoimentos;
  • celebração de Festas A, cujas datas mais importantes serão o dia 28 de dezembro, Santos Inocentes e 6 de fevereiro, São Paulo Miki e Companheiros Mártires.

Fênix: ressurgir das cinzas

Enquanto o "Opus Night" e outros messias não vierem para nos ajudar de forma paternalista, ficaremos no estágio de Órfãos. Ficaremos chorando as desgraças que a Obra nos provocou, fazendo-nos de eternas vítimas.

Quando nos fazemos de vítimas é por que nós mesmos queremos. Quando foi nos decretada a "morte civil" pela Obra, basta que eu ressurja das cinzas e afirme: Eu estou vivo!!! E bem vivo!!! Isto só depende de nós mesmos. Quando a Obra me apaga e eu mesmo aceito esta "morte civil" de forma passiva, estou somente dando crédito à própria Obra. Estou dando crédito a profecia auto-cumprida.

Quando continuo me anulando fora da Obra, estou dando crédito a tudo o que a Obra diz de nós, ou seja, que estamos amargurados, raivosos, tristes, perdidos, loucos etc.

Não adianta culpar a Obra pela nossa "morte civil", pois nós mesmos somos os culpados que sustentam esta mentira.

O desafio pelo mito de Fênix é: renascer das cinzas. Ou ainda recriar-se, evoluir nós mesmos a partir de nossas cinzas, de nossas queimaduras, de nossas cicatrizes, de nosso martírio, mesmo quando não houver, aparentemente, a menor esperança. Este renascimento espiritual não pode ser depositado e conquistado pelos outros para mim, quer sejam, os nossos filhos, os nossos amores ou a uma nova instituição paternalista denominada "Opus Night". Não podemos errar pela segunda vez, da mesma forma quando entramos na Obra em busca da felicidade. Somente quem tiver a coragem de buscar seu próprio destino e enfrentar os desafios propostos da evolução pessoal, poderá alcançar a grandeza e a beleza da ave Fênix.

"Não tenham medo"

João Paulo II pronunciou no dia 22 de outubro de 1978 na Praça de São Pedro uma grande mensagem no início do seu Pontificado: Não tenham medo!

E de acordo com o próprio Papa diz: "Pela Sagrada Escritura sabemos também que esse temor, principalmente da sabedoria, nada tem em comum com o medo do escravo. É temor filial, não temor servil! A colocação hegeliana patrão–escravo é alheia ao Evangelho. É, antes, uma colocação própria de um mundo onde Deus está ausente. Em um mundo no qual Deus está realmente presente, no mundo da sabedoria divina, só pode estar presente o temor filial".

E aí que reside uma outra grande contradição da Obra. O ensinamento da filiação divina que Monsenhor Escriva pregou "amorosamente" a seus filhos, na prática se transforma em filiação servil de patrão a escravo. O que se constata na prática é que muitos ficam na Obra submissos como escravos do sistema, sem opinião própria, sem poder questionar nada e assim não conseguem compreender o incompreensível.

Os ex-membros também são a prova viva deste relacionamento patrão-escravo, pois muitos têm medo. Têm medo de contar as coisas que se passaram na Obra, pois temem o castigo de Deus. Têm medo de revelar os nomes, pois temem as futuras represálias. Têm medo do que os outros vão falar e pensar. Têm medo de escrever acontecimentos e fatos que presenciaram junto ao fundador, pois temem serem reconhecidos devidos aos relatos mais íntimos. Têm medo de relatar o que se passa nos níveis mais altos da hierarquia do Opus Dei, que poderiam ser argumentos bem poderosos para esclarecer a face oculta desta instituição.

João Paulo II fornece a resposta que buscamos: "Para libertar o homem contemporâneo do medo de si mesmo, do mundo, dos outros homens, dos poderes terrenos, dos sistemas opressivos, para libertá-lo de todo sintoma de um medo servil com relação àquela "força predominante" que o crente chama Deus, é preciso desejar-lhe de todo o coração levar e cultivar no seu coração o verdadeiro temor a Deus, que é o princípio da sabedoria. Esse temor a Deus é a força salvífica do Evangelho. É temor criativo, nunca destrutivo. Ele gera homens que se deixam guiar pela responsabilidade, pelo amor responsável. Gera homens santos, isto é, verdadeiros cristãos, aos quais pertence definitivamente o futuro do mundo".

Na prática, o que acontece é que a maioria da vítimas do Opus Dei continua com muito medo, apesar deste anúncio do Papa. É como ir numa casa ou sítio de um amigo e me defrontar com um bando de cães da raças pitbull. Daí ele me diz: "Não tenham medo!! Estou aqui do lado!!".

Coragem é esperança

De acordo com JASPERS, "a coragem engendra esperança. Sem esperança, não há vida. Enquanto há vida, há sempre um mínimo de esperança, que brota da coragem".

E devemos ter coragem para buscar um mundo melhor e com liberdade. E de acordo com POPPER "a liberdade política – a liberdade face ao despotismo – é o mais importante de todos os valores políticos. E devemos estar sempre prontos para lutar pela liberdade política. Podemos sempre perdê-la. Nunca devemos descansar considerando que nossa liberdade está livre de perigo".

Em nossa vida na Obra podemos ter duas atitudes, quer seja como membro ou como ex-membro: sermos otimistas ou sermos alienados.

Na combinação membro-otimista, a pessoa enxerga eventuais defeitos da Obra e realmente pode estar se entregando de coração, pois acredita estar fazendo a vontade de Deus. Todos nós passamos por este estágio e devemos ser compreensivos com aqueles que ainda estão neste estágio.

Na combinação membro-alienado, a pessoa enxerga que a Obra não tem sentido e fica indecisa no que fazer, pois não tem mais esperança e nem coragem. Todos nós também já passamos por este estágio e vale o mesmo conselho anterior.

Na combinação ex-membro e alienado, a pessoa prefere não discutir mais o que seja a Obra, pois a Obra é uma merda. É superficial em seus juízos e não quer mais saber desse assunto repugnante. Ou ainda, prefere ter uma visão mais suave e desculpa todos os eventuais erros da Obra atribuindo tão somente às falhas humanas presentes em todas as instituições. Todos nós também já passamos por este estágio e vale o mesmo conselho anterior.

A última combinação ex-membro e otimista é a nossa grande luta. Nós todos estamos dando os primeiros passos nesta construção de um mundo melhor que depende de nós mesmos. Alguns podem dizer: "Mas o que é que ganho com isso?". Ganha-se uma maior identidade, ganha-se um maior auto-conhecimento, ganha-se o "gaudium cum pace". O mundo dá voltas e quem não garante que num futuro longínquo os seus filhos(as), ou sobrinhos(as), não sejam "capturados" pelo Dragão?

Como já dissemos antes, é mais fácil aguardar e criticar do que realizar. É mais fácil esperar que as autoridades competentes e organizações não governamentais zelem pelos recursos naturais, como a água, as vegetações, os animais silvestres, as baleias etc. É mais fácil criticar que há políticos corruptos que dominam interessem de grande grupos multinacionais. É fácil dizer: isto não é problema meu. Alguém vai resolver por mim estes problemas.

Pois bem, pode não ser mais seu problema, mas seu futuro neto ou sobrinho e ex-numerário pode um dia descobrir que você foi da Opus Dei e dizer: "Mas que filho da p....!!! Nunca deixou nada escrito!!! Vou profanar em cima da tumba deste grande canalha!!! Covarde, covarde, covarde!!!"

Na prática como podemos atuar em relação aos membros atuais da Obra? Todos os membros merecem a nossa compreensão, pois um dia fomos iguais a eles. Não podemos impor a nossa vontade a eles, ou seja, não vamos fazer o mesmo que fizeram conosco.

Quanto a este último comentário gostaria de me deter mais e fazer uma confidência, que vou explicar através de um mito. O mito é o de Quimera e Belorofonte. Quimera era um monstro com cabeça de leão, cauda de Dragão, corpo de cabra e asas. Sua grande arma era lançar fogo pela boca. Belerofonte foi enviado para matar Quimera e para isto foi-lhe entregue o cavalo alado Pégasus. Esse cavalo simbolizava o sonho do homem em poder voar cada vez mais alto e também que se vencermos o medo do desconhecido, abrem-se as portas do conhecimento, para podermos voar mais alto. Belerofonte matou Quimera, ou seja, o desconhecido. Antes de escrever a segunda parte de meu testemunho, fiquei com medo de revelar algo de conhecimento de meu íntimo. Este conhecimento que apresentei pode ser manipulado com interesses egoístas por qualquer um. Ou seja, estou correndo um risco. O que quero dizer é que a Obra não deixa de ser um sentido na vida de várias pessoas. Tirar-lhes este sentido, revelando-lhes o desconhecido é cruel. Estas "revelações" servem para nós e não para serem enfiadas goela abaixo dos membros atuais da Obra. Todo o nosso conhecimento adquirido através da leitura dos livros proibidos deve ser usado com prudência no trato com pessoas da Obra. Devemos fazer as "revelações" caso queiram.

Após a morte de Quimera, Belerofonte sentiu-se orgulhoso de sua vitória e considerou-se capaz de ir ainda mais alto e elevar-se até os céus. Fez com que Pégasus, então, alçasse vôo em direção ao Olimpo. Mas, quando se aproximava, o grande Zeus percebeu e fulminou-o com seu raio.

Hoje temos cada vez mais novas armas proporcionadas pelo conhecimento da Obra. Mas isto não quer dizer que tenhamos a ética no uso deste conhecimento. Não temos o direito de exigir que nossas convicções de ex-membros sejam admitidas pelos atuais membros. A menos que eles mesmos queiram travar esta batalha. Podemos ser tentados a fazer vôos mais altos, impondo a nossa vontade, como o de Belerofonte e sermos exterminados por nossa soberba.

No exercício de nossa liberdade política, os nossos debates podem ser proveitosos. De acordo com JASPERS "ambos devem desejar saber; determinam os fatos verificáveis e as contradições; ouvem um ao outro; nenhum dos dois recorre a subterfúgios. E ambos devem desejar a recíproca manifestação dos propósitos últimos que os movem".

Outra regra de ouro que JASPERS cita: "o bom interlocutor ajuda intelectualmente aquele com quem se defronta".

Ou seja, podemos utilizar o método de Sócrates ao nos confrontarmos com membros e simpatizantes da Obra. Podemos fazer várias perguntas, como quem não sabe nada e deixar que o nosso interlocutor tire as suas próprias conclusões. Assim vamos forçar as pessoas a utilizar a razão e "parir" as idéias que para nós já são óbvias.

Cada um é cada um

Cada um tem um ritmo de amadurecimento em relação à Obra. Cada um de nós está em constante mutação. Somente através de nossos contatos, quer sejam através de meio digital, quer sejam através de contatos reais e humanos muito mais poderosos, estaremos em processo de simbiose.

Ao escrever esta segunda parte de meu testemunho, creio ter dado mais um "salto" em benefício próprio. Não quero ser modelo para ninguém, apenas quero fornecer instrumentos de ajuda para várias pessoas que considero meus irmãos e minhas irmãs. Pois os nossos laços são mais fortes que os do Opus Dei, que dizia possuir laços mais fortes que os de sangue. Nossos laços não são motivados por dinheiro, mas sim pela mais pura caridade. Nós somos a Irmandade do Ex-Membros do Opus Dei.

Revelar meu nome não é mais segredo. E por que tamanha "loucura"? Quero checar com meus próprios olhos a existência ou não de retaliações da Obra. Não acredito em retaliações significativas a minha pessoa. Caso existam estas retaliações eu informarei a vocês. Este futuro está aberto!

Não posso sofrer retaliações econômicas futuras de membros poderosos da Obra? Se sofrer tais retaliações, minha consciência estará mais tranqüila pois o meu dinheiro não irá parar mais nas mãos destas pessoas que certamente contribuem para a expansão da Obra. Se não tiver mais recursos materiais, irei fundar o "Opus Night" ou criar uma nova seita, pois já tenho conhecimento suficiente devido a tudo o já li e estudei. Provavelmente serei muito rico.

Não posso ser chamado de louco? Sim sou louco, não valho nada, não sou nada, sou um herege, sou um blasfemo, sou um soberbo etc etc etc. Sou filho bastardo de Nosso Padre, que também era louco. Aprendi vários truques com o Nosso Padre, que era o Grande Mágico. O símbolo da versão não autorizada da Obra é uma loucura para explicar outra loucura.

O futuro depende de nós

É estranho observar que muito se fala na frieza dos membros da Obra, mas constata-se também a frieza de ex-membros da Obra. Quando vem um correio suplicando por auxílio, as respostas não são tão numerosas quanto às direcionadas a outros assuntos muito mais irrelevantes. É mais fácil ver a frieza com que sou tratado, do que ver a frieza com que tratamos (ou omitimos) os outros. É uma pena que a Obra perdeu estes membros que não têm afetividades, pois seriam muito úteis para o trato apostólico. Por mais choro e desabafos, muitos não se sensibilizam em dizer ao menos umas poucas palavras. Que pena que a Obra perdeu estes membros tão insensíveis pois sempre se necessita deles para dispensar um membro que dedicou por tantos anos e que agora está doente e com muitos gastos médicos!!!

Muitos vão dizer: Não tenho tempo. Depois de ter ouvido em diversos retiros, cursos anuais, recolhimentos etc e não absorver nada sobre o aproveitamento do tempo, só mostra mesmo o quão incompetentes fomos como membros. A Obra deve estar comemorando a saída destas pessoas que dizem não ter tempo.

Muitos vão dizer: não sei escrever ou falar bem. Mais uma vez a Obra deve estar comemorando a saída destes membros que possuem altos conhecimentos acadêmicos em ciências abstratas, mas são uma negação no trato humano. Quem não sabe se expressar não serve para o apostolado da Obra!!!

Muitos vão dizer: é que sou covarde. Mais um fogo de artifício é solto pelos membros da Obra, pois quem é covarde não faz apostolado. Realmente quem é covarde não tem vocação para Obra, pois deve ser bem corajoso para chamar alguém para a meditação.

Muitos vão dizer: tenho medo do futuro e não tenho muita certeza das coisas. O único lugar do mundo onde tudo já está programado, previsto e calculado chama-se Opus Dei. No mundo real o futuro é incerto e depende de cada um de nós. Se você quer ter certeza de tudo na vida não deveria ter saído do Opus Dei e neste caso as "maléficas" profecias da Obra em relação aos ex-membros se cumprirão em você.

Muitos vão dizer: Mas o que eu posso fazer? Quem não sabe o que fazer não tem pró-atividade. Ou seja, continua a ser um robô programável que só sabe obedecer ordens. Como não há mais um senhor a quem servir, não sabe mais o que fazer. Você deve ser um daqueles que reclamam que a Obra escolheu a sua vocação. Na verdade, você continua sendo a mesma pessoa que não sabe o que quer na vida. Você continua não escolhendo as suas opções de vida, pois são os outros que escolhem por você. Você só engole o que os outros dizem. Que pena que a Obra perdeu estes robôs sem visão crítica, que só sabiam obedecer tarefas manuais e burocráticas !!!

Muitos vão dizer: Isto não é problema meu!!! Ainda bem que a Obra perdeu estes membros egoístas que só sabem viver em seu limitado mundo!!! Realmente este tipo de pessoa nunca deveria ter entrado no Opus Dei, ou seja, representa mais um caso de vocação extremamente forçada. Você foi somente um número para preencher uma cota apostólica!!! Você nunca deveria ter entrado no Opus Dei!!! Mas como você entrou, pelo menos contribuiu com seu dinheiro e sua mão de obra!!!

Muitos vão dizer: estou pensando no que vou fazer!!! Quem só fica pensando no que fazer vive no mundo das idéias!!! Quem diz que está pensando não diz quanto tempo já está pensando!!! Quanto tempo você está pensando? Seis meses, um ano, dois anos ou dez anos? Você dever aquele tipo de mau acadêmico da Universidade. Aposto que seu trabalho de mestrado ou doutorado termina com a seguinte frase: São necessários novos estudos para se aprofundar o tema estudado, pois os dados obtidos não permitiram concluir nada. A conclusão do seu estudo é que se precisa de mais estudos, ou seja, nada, nada, nada!!! Você foi um parasita que se sustentou com um salário de professor e/ou pesquisador dado pelo governo. A sua única contribuição para o mundo foi criar hospedagem para os ácaros habitantes das bibliotecas das Universidades. Ainda bem que a Obra perdeu estes membros que só ficam pensando e não fazem nada!!! A Obra deve estar pensando criar uma Festa A pela demissão destes e de outros tipos de ex-membros.

Muitos vão dizer: Tenho vergonha de dizer que sou ex-membro do Opus Dei. Quem tem medo disto também tinha medo de dizer que pertencia ao Opus Dei!!! Portanto era um covarde e a Obra deve estar contente por você ter ido embora!!! Quem não falava que era membro vivia travado e não conseguia fazer bem o apostolado. Hoje deve continuar mais travado ainda pois não sabe explicar aos outros o que se passou por um determinado período de anos "misteriosos". Como explicar este buraco negro em nossa vida? Antes reclamava que se sentia um bicho estranho pois não podia ter trato com pessoas do sexo oposto, hoje continua sendo um bicho mais raro ainda que foi abduzido por extra-terrestres durante um período de tempo que você não sabe explicar para ninguém. Você é um caso digno de constar no "X-Files"!!! Chamem os agentes Fox Mulder e Dana Scully!!!

Muitos vão dizer: tenho medo de ir para o inferno. Diziam-nos na Obra, que o Céu vai ser uma grande tertúlia com o Nosso Padre. Se isto for o Céu, eu prefiro ir para o Inferno ouvido heavy metal do Black Sabbath, Ozzy Osbourne, Kiss, AC/DC, Led Zeppelin, Deep Purple, Iron Maiden e Judas Priest.

Muitos vão dizer: Mas o que é que eu ganho com tudo isso? Quem só pensa em ganhar tem um coração de pedra, onde não cabe o amor, somente as conquistas egoístas do poder, do dinheiro, do prestígio e do prazer. Que pena que a Obra perdeu estes membros que só pensam em ganhar, conquistar e ter prestígio. Este tipo de pessoa poderia ser aproveitada para ser mandada para um país longínquo onde a Obra ainda não existe. Ou ainda, quem só pensa em ganhar poderia continuar na Obra pedindo dinheiro para as Obras corporativas. Provavelmente você se foi da Obra pois só pensa em ganhar para si mesmo e portanto é um tremendo egoísta. Talvez seja daqueles que não ganham dinheiro, mas só busca títulos acadêmicos. Ou seja, você é igualzinho a Nosso Padre que colecionou vários títulos. Você está preso em buscar o aplauso da comunidade universitária, que se dizem donos da verdade.

Façamos uma pausa para que não entremos em grandes crises de consciência, pois ficou mais arrasador que exame de consciência do último dia de retiro ou ainda a leitura do "Valor divino do humano" de Jesus Urteaga. Tomemos distância e ilustremos o método empregado através de um diálogo entre Viktor Frankl e um médico americano.

 Médico: Poderia o senhor dizer-me, numa única sentença, o que quer dizer logoterapia, ao menos qual a diferença entre psicanálise e logoterapia?

Frankl: Sim, mas, em primeiro lugar, pode o senhor dizer-me com uma só sentença o que pensa ser a essência da psicanálise?

Médico: Durante a psicanálise o paciente precisa deitar-se num sofá e contar coisas que às vezes são muito desagradáveis de contar.

Frankl: Bem, na logoterapia o paciente pode ficar sentado normalmente, mas precisa ouvir certas coisas que às vezes são muito desagradáveis de se ouvir.

Caríssimos amigos e amigas, podemos soltar tudo de ruim para fora e jogar toda a culpa na Obra. Mas nós também temos a nossa parcela de culpa, quer seja do que já se passou, como do que ainda será. Para isto mudar, tudo depende de nós, mesmo que minha contribuição seja uma gota no Oceano.

Por um mundo melhor

Numa sociedade aberta, podemos aprender com a crítica de outros sobre nossos enganos e dos nossos erros, além da própria auto-crítica.

O mais importante quando discutimos acerca do Opus Dei, não é provar aos outros que está certo. O mais importante é a disposição de aprender com os outros acerca do Opus Dei.

O que devemos enfatizar é a discussão crítica acerca da Obra, de modo a enxergar cada vez mais claramente do que antes e irmos aproximando cada vez mais próximo da verdade, não importando quem seja o autor da proposição.

Para descobrir se as nossa idéias são sólidas, precisamos que outras pessoas as testem.

A Obra não admite o diálogo, pois é a dona da verdade e tem todas as respostas prontas. A Obra, por ser uma seita, tem o desejo do poder cujo principal adversário é a verdade. O desejo do poder tem como grande aliada a tendência de se esconder. Quanto mais nebuloso e caótico é o ambiente, mais benefícios terão os donos do poder.

De acordo com JASPERS, "a veracidade confunde-se com a dignidade humana. A falta de sinceridade nos envergonha a nossos próprios olhos". "A verdade só pode ser atingida em conjunto e, assim, calando-nos, somos infiéis a nós mesmos". "À semelhança do que passa na vida pessoal, também na comunidade o curso das coisas se torna falso quando o homem cala o que é importante para todos". "Deveríamos tornar-nos transparentes a nós mesmos e transparentes a todos os outros, em nosso destino e ação comuns".

A revelação do meu nome é um teste a que eu mesmo me submeto. Como profissional da engenharia sanitária, gostaria de ilustrar através de um exemplo o risco que estou correndo. Para avaliar as características de uma água ou de um despejo líquido industrial, podemos realizar diversos ensaios e quantificar diversos parâmetros. A análise deste dados pode ser extremamente complexa e demorada. Desta forma um artifício utilizado é utilizar organismos vivos para checar os efeitos ambientais deste meio líquido, o que chamamos de bio-ensaio. Um peixe, um crustáceo, uma colônia de bactérias pode sofrer um impacto (morrer, diminuir a mobilidade) em contato com esta água, que aparentemente não apresenta indício visível algum. Neste futuro incerto, a revelação do meu nome pode ter duas conseqüências para minha pessoa em relação a Obra.

Primeira conseqüência: posso ser objeto de perseguição política pelos simpatizantes da Obra e ter a minha honra e bens materiais sob ameaça. Ficarei paranóico e enxergarei em tudo uma conspiração secreta da Obra contra a minha pessoa. Se isto acontecer, revelarei a todos vocês a ocorrência ou não destes fatos. Mas grande parte do que quis falar já terei revelado.

Segunda conseqüência: nada acontecerá. Se isto ocorrer, sempre lembrarei a todos vocês para continuarmos na luta de forma responsável, aberta, honesta e livre. Lembrarei a vocês que estamos ainda num mundo livre, onde podemos expor os nossos pontos de vista. A liberdade não ocorre por livre e espontânea vontade. Devemos ser guardiões da liberdade que está sendo ameaçada por todos os lados possíveis e que nem suspeitávamos.

O que gostaria de estimular neste testemunho é a livre discussão acerca da Obra. Estes foram os meus pensamentos e minha concepção acerca da Obra. Por isso, como amante da liberdade, estimulo que aprofundem outros aspectos que não abordei e ultrapassem as idéias mostradas neste testemunho.

E assim de novo retornamos ao estágio do Inocente e a história continua com as nossas vidas.

Bibliografia Consultada

CAMPBELL, J. O herói de mil faces. Editora Cultrix.

CAMPBELL, J. O poder do mito. Editora Palas Athena.

DE MASI, D. O ócio criativo. Editora Sextante.

FRANKL, V. A psicoterapia na prática. Papiris Editora, 1991.

GAY, P. Freud, uma vida para nosso tempo. Editora Schwarcz, 1999.

JASPERS, K. Introdução ao pensamento filosófico. Editora Cultrix.

JASPERS, K. Psicopatologia geral. Ed, Atheneu.

MESSORI, V.; JOÃO PAULO II. Cruzando o limiar da esperança, Livraria Francisco Alves Editora S.A., 1994.

METCALF, F. The Penguin dictionary of modern humorous quotations. Penguin Books, 1987.

PEARSON, C.S. O herói interior: seis arquétipos que orientam a nossa vida. Editora Cultrix.

POPPER, K.R. A lógica da pesquisa científica. Editora Cultrix

POPPER, K.R. A vida é aprendizagem. Edições 70, LDA, Lisboa/Portugal, 1999.

REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia. Editora Paulus, 1990.

Internet:

PsiqWeb: http://www.psiqweb.med.br/cursos/pensam2.html#del%EDrio

http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/3/3147/tde-09052001-151514

http://www.hottopos.com/mirand14/jean.htm