Caminho de santificação do trabalho no meio do mundo?! Que trabalho? E que mundo?

From Opus-Info
Jump to navigation Jump to search

Prezados leitores do site Opuslivre,

Há tempo estou querendo colocar no papel algumas palavras sobre minha experiência no Opus Dei.

Muitas das coisas escritas por ex-numerários aqui, eu assino embaixo, por isso não vou repeti-las. Afinal, foram mais de 8 anos dedicados a esta instituição (Dos 16 aos 24 anos). O que gostaria de acrescentar e não vi escrito ainda no site, pelo menos não nos depoimentos mais recentes, é quanto a contradição entre a "definição" do Opus Dei e a realidade.

Desde do primeiro contato com a Obra somos informados que se trata de "um caminho de santificação do trabalho no meio do mundo". Agora vou contar a minha experiência que contradiz exatamente essa "definição".

Primeiro, quanto ao trabalho. Estudei engenharia na Escola Politécnica e como a grande maioria de meus colegas, almejava um estágio que pudesse me dar uma oportunidade profissional, visto que é praticamente impossível conseguir um bom trabalho nesta área sem um estágio prévio.

No final do quarto ano de faculdade passei a procurar estágio para o último ano de curso. Confesso que ninguém chegou diretamente para mim e disse: "Não faça estágio!", mas nem tudo é dito por palavras... Toda vez que saía para uma entrevista, parecia que ia me "desvirtuar" do caminho. Ninguém se interessava por essa minha busca e os que perguntavam "Como foi a entrevista?", pareciam perguntar por obrigação e se sentir aliviado quando não passava em um processo.

Nesta época, eu era 100% sustentado por meus pais no Centro e nenhum dos diretores me disse para conseguir meu próprio dinheiro. Enquanto outros numerários, cujos pais não eram tão compreensíveis, eram pressionados a arranjar dinheiro a qualquer custo. Muitas vezes sendo alocados em "trabalhos internos". Eu, ao contrário, era constantemente questionado quanto à necessidade de eu fazer um estágio. Quando argumentava que era preciso para se ter uma boa profissão, diziam-me para confiar em Deus. Como se fosse possível pedir a Deus para ganhar na loteria sem ao menos fazer uma aposta!

Outro ponto que me deixava com a "pulga atrás da orelha" era que, como dizia minha mãe, politécnico numerário ou era professor ou era padre. Questionava-me se este fato era natural ou forçado em nome de uma "disponibilidade" maior para dedicar-se ao Opus Dei. Isso me assustava pois não tinha vocação nem para um nem para outro.

Voltando ao estágio, mesmo sem o menor apoio dos diretores, consegui um estágio na minha área, em uma grande multinacional, meio período e com uma bolsa muito acima da média, ou seja, não havia do que reclamar. Mesmo assim, houve implicação quanto a distância. Isso por que levava uma hora de ônibus até a empresa.

Ao mesmo tempo que começava o estágio fui transferido a outro Centro e, o fato de eu estar fazendo estágio, foi passado ao novo diretor como um problema pendente a ser resolvido. Afinal, não tinha mais tanta disponibilidade.

Comecei a fazer estágio a contragosto de todos, diretores e colegas de centro. Sentia-me um ET no Centro pois era o único que estava em uma empresa, ou seja, não era professor, não estava fazendo pós-graduação e não era um profissional liberal. Todas estas profissões são nobres mas com um contato com outros colegas e uma relação de trabalho bem menor que em uma empresa.

Graças a Deus, fui efetivado e aí começaram as dificuldades. Como qualquer profissão, o trabalho começou a exigir e, como recém contratado, necessitava "mostrar serviço". Aí começou a aumentar a pressão pela "disponibilidade". Toda vez que chegava mais tarde era encarado como um "pecado mortal". Isso muito me incomodava!

As dificuldades impostas para exercer a profissão eram sempre justificadas em nome da "pobreza" e "disponibilidade", ou seja, não era possível trabalhar mais e nem investir na profissão. Nisso, perdi oportunidade de viagens internacionais pela empresa e cursos de pós-graduação.

Isso foi me incomodando até o ponto de deixar a Obra, pois fiquei em um dilema: Ou crescia profissionalmente ou me dedicava ao Opus Dei.

Agora, como se pode "santificar o trabalho" sem trabalho?

O segundo ponto: "o meio do mundo". Os numerários são a "elite" do Opus Dei, responsáveis por toda a formação dos demais membros e deveriam ser exemplo de "santificação no meio do mundo".

Agora vem a vida em um Centro... Como disse anteriormente, era necessário ir do Centro para o trabalho e do trabalho para o Centro, sendo que este trabalho em uma empresa parecia incomodar a todos. Como outros já disseram neste site, a vida no Centro nos forçava a se afastar de nossos familiares. Além disso, muitas das atividades normais entre amigos não eram "aconselhadas" aos membros do Opus Dei. Não estou falando só de festas mas churrasco na casa de amigos, viagens, cinema, happy-hours, entre outros. Como é possível fortalecer a amizade sem esta convivência? Ou seja, a Obra nos afastava dos amigos.

Um fato que aconteceu ainda quando estava na faculdade é que fui "aconselhado" a parar minhas aulas de inglês pois podia me apaixonar por uma colega de classe.

Desta forma, só nos restava a vida no Centro... Este é o "meio do mundo"? "Santificação do trabalho no meio do mundo"?!... Mas... de que "trabalho" e de que "mundo" o Opus Dei está falando?

Atenciosamente,

Rafael.