Promiscuidade Vocacional - Mais um exemplo Prático

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Ao ler o texto de Demetrio sobre a Promiscuidade Vocacional, não pude deixar de enviar também meu relato sobre a questão da crise vocacional que é provocada pelos membros da Obra, mesmo que sem a culpa deles, por estarem agindo em obediência ao governo da Opus Dei no Brasil (ou seja, sem liberdade, sem consciência).

Eu havia freqüentado o clubinho Mirante (dirigido pela seção feminina da Opus Dei) aos 10 anos, por pouco tempo, e não tive mais contato até ter entrado na faculdade. Nesta época, ligaram para minha casa informando que haviam encontrado meu nome nas fichas antigas do Mirante, e me convidaram para uma Promoção Rural.

Não vou me ater aos detalhes de como acabei me tornando uma "menina de são Rafael". Neste momento, quero apenas contar aqui como foi o trauma da minha "apitagem" como numerária (apitar, no jargão interno da Opus Dei, significa entrar na organização), e como tenho dificuldade até hoje em conviver com esta lembrança. Vale lembrar que, naquela época, eu reunia todas as condições desejadas pela Obra a uma numerária: estudara em uma faculdade top de linha, estava iniciando minha pós-graduação em outra faculdade top, tinha carro próprio, uma grande inclinação a trabalhos voluntários, boa aparência, ambição por coisas grandes, e um irmão numerário. Acreditem, isso pesa. Muitas vezes, eu me sentia traindo meu irmão se não freqüentasse o centro, era como se houvesse uma cobrança neste sentido. E, obviamente, nada disso obrigaria a que eu fosse uma numerária, a menos que alguém quisesse.

No final de 1995, minha “amiga do Centro” já era a terceira "amiga" no mesmo Centro em três anos (o que comprova que a amizade era sim instrumentalizada... até porque a minha “amiga” que me fez apitar depois nunca mais teve uma conversa de amiga comigo!). Em uma Rural, eu manifestei pela primeira vez a esta minha “amiga” que estava pensando em me casar com meu namorado, e foi aí que a carga da crise vocacional começou: “será que você não tem vocação de numerária? Por que será que Deus fez você conhecer a Obra enquanto é solteira, e não depois de casada?”. Voltei ao centro e comentei isso com o sacerdote. Ele me falou a mesma coisa... Vieram mais promoções rurais e urbanas; mais palestras e outras atividades, Círculo de Leitura para vender; emprestar meu carro para levar e buscar; mais direção espiritual, o "plano inclinado" levado minusciosamente à risca. E eu fazia tudo isso com muito gosto, porque o objetivo final era agradar a Deus e fazer as pessoas felizes. Eu confesso com tristeza que tinha um pouco de pena das numerárias, e ficava feliz em poder ajudá-las. No final de semana após a minha formatura da faculdade (meu namorado formou-se comigo e estávamos com planos para o futuro) em março de 1996, chamaram-me a um convívio, e a carga da “amiga” foi total.

Depois deste convívio, os papos de vocação passaram a ser o único tema da minha conversa com o sacerdote e minha “amiga”. Cheguei a elaborar uma lista de motivos pelos quais, se era para eu apitar, que então fosse de supernumerária, e isso na oração, mas a “amiga” e o sacerdote sequer quiseram ler minha listinha, sequer cogitaram esta possibilidade, não davam chances a nenhuma discussão mais concreta sobre o assunto - tudo tinha que ser visto de modo sobrenatural e, claro, nem pensar discutir o assunto com alguém de minha família ou um amigo(a) chegado! Estavam pensando - conscientemente, com liberdade PESSOAL - no bem da minha alma ou em mais um nome da lista para apresentarem ao Prelado que vinha naquele ano de 1996 ao Brasil?

Durante um mês, foi articulado o rompimento do meu namoro, minha "amiga" deu dicas e dizendo que iria “rezar” para que eu conseguisse terminar. Acredito que ela tenha rezado sinceramente e feito muita mortificação, mas qual era o real objetivo dela: ver-me feliz de verdade? Quando sabia que eu estava de fato em frangalhos? A culpa não foi da “amiga” C., mas sim da manipulação que ela mesma sofria... Eu estava fraca, abalada emocionalmente, e não tinha ninguém com quem me abrir. Eu me sentia uma marionete em suas mãos. O término do namoro em plena praça de alimentação do Shopping Morumbi com hora marcada (ela me ligaria à noite para confirmar se o plano dera certo!) foi um dos piores momentos da minha vida (o segundo foi ir ao Centro de Estudos e o terceiro foi permanecer lá pelos dois anos). Arrancaram-me um pedaço do meu coração, e eu já não via sentido nas coisas. Ainda assim, mantinha a confiança em Deus e de que minha retidão de intenção me traria uma recompensa no futuro, qualquer que fosse, mas alguma coisa tinha que vir; quem sabe eu não encontraria um namorado melhor ainda? Quem sabe Deus apenas queria me testar ou me fazer pagar na terra pelos meus pecados de impureza do passado? Quem sabe bastaria eu terminar o namoro para que elas sossegassem e se dessem conta de que eu não tenho vocação?

Seis meses depois, em um estado de apatia total, eu já era considerada uma numerária pelas meninas do centro, embora nunca tivesse manifestado que o quisesse ser de coração. Deram-me uma pergunta pronta para fazer ao Prelado quando ele veio ao Brasil. Convidavam-me para jantar no centro todos os sábados. Falavam de entrega 25 horas por dia. E eu morria de inveja das meninas que não eram assediadas, das meninas que diziam que seriam supernumerárias, até dos “Totozinhos” que li neste site. Por que eu? O que fiz de errado para merecer isso?, pensava. Eu já não era bombardeada pela "amiga", mas pela diretora na época, que é uma pessoa boníssima. Lembro-me de que eu falava quase todo o tempo do meu coração, das saudades de meu namorado, e que num determinado momento ela comentou das mazelas do casamento e da vida a dois, chegando a mencioar o casamento como uma desgraça. Passei a sofrer mais ainda com o fato de desejar uma condição que me diziam que seria a minha desgraça (casar-me). Deram-me o famoso livro do Jovem Rico e fiquei dias, semanas sem conseguir dormir ou comer pensando que seria uma traidora de Deus por não aceitar o convite da entrega.

Após uma tertúlia em um domingo com uma numerária com um cargo importante na Obra que morava na Espanha ou Roma (não me lembro ao certo, porque eu achava muito estranho esta adoração que se têm pelas pessoas que possuem altos cargos na Obra), a diretora do centro empurrou diretamente e impacientemente: “por que você não escreve esta carta de uma vez?” O Opus Dei não diz que quem tem quem que pedir para entrar é o interessado? Não diz que “estreita é a porta para entrar”? Pois bem, não é assim. No dia seguinte, cheguei no centro para assistir ao círculo de são Rafael. Depois, a diretora me chamou para o escritório e mostrou papel e caneta. Levei horas, horas naquele escritório chorando e dizendo que não podia, que não era aquilo que Deus podia querer de mim. Vencida pelo cansaço e pelo desespero, escrevi a carta e entreguei com os piores xingamentos que aquela diretora podia ter ouvido, a ponto dela dizer baixinho “Não posso aceitar esta carta”, e eu respondi “Ah não, agora você vai ter que aceitar essa p...”. Alguém viu aqui uma "clara manifestação" de vocação?! A querida diretora A.M., por quem tanta admiração sentia e ainda sinto, pela paciência e carinho que sempre manifestou a mim, será que ela estava com a consciência tranqüila quando pegou a minha carta? Não poderia ter colocado um pouco de sentido NATURAL na análise do meu caso para evitar os problemas que vieram nos anos seguintes e que persistiram mesmo após ter deixado a Obra?

Interessante é pensar que das várias meninas que me lembro que apitaram um pouco antes ou até 1 ano após a chegada do Prelado ao Brasil - época em que freqüentei assiduamente o centro, todas (isso mesmo, todas) se foram... não posso ter sido um caso isolado de "falha de identificação de vocação". Portanto, as pessoas do Opus Dei que “enxergam” a vocação nos outros devem pensar em tamanha responsabilidade que carregam por provocarem crises existenciais nas pessoas, que levam anos a serem resolvidas (quando o são).

G.S.